Disse Santo Agostinho, num resumo de Padre António Vieira na História do Futuro, que “nada do que dura pouco pode ser grande”.

É consabida a constante mutabilidade e revisão a que a nossa Constituição tem sido sujeita.

A isso não será alheia a sua marca ideológica inicial. Todos os institutos jurídicos de conteúdo ideológico são mais mutáveis, ao sabor dos tempos e das vontades, e acrescentaria hoje Camões, se não tivesse morrido com a pátria, ao sabor dos interesses.

Com efeito, a Constituição de 1976, ao erigir em princípios e regras directrizes políticas, confundiu policy com principles, ou melhor, transformou policies em principles e criou situações de rigidez que a impediram de ser grande e de durar sem sofrer alterações descaracterizadoras.

Talvez por isso, seja extremamente salutar repensar profundamente a Constituição, expurgando-as de normas inúteis e de espartilhos desnecessários, e, nesse aspecto, a iniciativa do Observador é amplamente de saudar.

Os países nórdicos, que são os que mais salvaguardam os direitos sociais, são precisamente os que menos os consagram na Constituição. Os países anglo-saxónicos, onde por razões diversas pontuam governos fortes, quer em regimes presidenciais, como nos EUA, quer em regimes parlamentares, como no Reino Unido, não precisaram de enfraquecer o Parlamento para fortalecer o Governo, nem de criar amplos poderes legislativos para o Governo, confundindo esferas de Governação.

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Pelo contrário, ambos os sistemas, por razões diferentes, separaram claramente as esferas legislativa e administrativa, com limitadas delegações no caso norte-americano, saindo ambos os órgãos reforçados. E os países que menos admitem a reforma constitucional, como o Reino Unido, não só são avessos a antidemocráticos limites materiais à revisão constitucional, como prescindem mesmo de ter uma Constituição formal.

Pessoalmente, gostaria de ter em Portugal uma constituição que consagrasse, sem experimentalismos novo-riquistas, um sistema parlamentar claro, à inglesa, com círculos uninominais, ou alternativamente, com primárias para círculos plurinominais, com poucos direitos fundamentais, mas efectivamente respeitados, com chefes de estado eleitos pelo parlamento, ou por colégios restritos, ou hereditários, se a tradição o permitir, mas nunca enfeudados a regimes partidários.

Tudo isto demonstra a limitação da Constituição na sua repercussão fáctica e o primado da clareza e do realismo na prática política, sobre a bizantinice e barroquismo decadentista constitucional, que pontuou o nosso texto fundamental desde a nascença e é o seu pecado original.

É claro que alguns velhos do Restelo defenderão o antigo texto, pelo que sempre podemos lembrar-nos do Marco António nas escadas do senado, quando diz: “But Brutus says he ins’t and Brutus is an honorable men…”

Há, contudo, um ponto onde penso ser de justiça salvaguardar o statu quo ante: se se deve expurgar a Constituição de falsos princípios jurídicos que apenas correspondem a cristalizações ideológicas conjunturais, a contrapartida desse esvaziamento ideológico deve ser a criação e reforço de mecanismos de garantia das normas mais fundamentais que sejam, por essa razão — a da sua verdadeira fundamentalidade –, mantidas na Constituição.

E é nesse quadro que se deve fazer a defesa da manutenção da composição, nomeação e poderes do Tribunal Constitucional.

A supressão da fiscalização preventiva e da inconstitucionalidade por omissão, a limitação da legitimidade no acesso à fiscalização sucessiva abstracta, e restrição dos poderes do Presidente da República em sede de fiscalização da Constitucionalidade, tal como proposta na Constituição sombra, permitira in limine manter as mesmas regras, impedindo a sua fiscalização e impedindo a diferenciação entre a boa e a má moeda, entre as boas e más regras, todas elas doravante directrizes platónicas dirigidas a anjos ou homens do jardim do Éden e sem sanção.

A verdade é que, concordando-se ou discordando-se dos arestos do Tribunal Constitucional, ou melhor dito, do teor das normas constitucionais, tal como interpretadas pelo menos pelo referido Tribunal (e se por vezes concordei, por outras vezes discordei das referidas interpretações), não se pode deixar de se reconhecer a sua importância e papel no nosso sistema democrático, e a importância de lhe manter no futuro a mesma função — o papel de decisor, quiçá político, não o nego, nas zonas de penumbra constitucionais.

Foi com este pensamento que me lembrei do título deste artigo, sem que com isso queira tomar quaisquer partidos nas muitas batalhas nas quais o Tribunal participou.