Começámos o ano com as mesmas preocupações, legítimas, relativas às nossas pessoas. O clímax das preocupações está, diria, numa expressão apenas, na segurança psicológica que teremos de proporcionar às nossas pessoas.

Comecemos pelo princípio. É importante proporcionar segurança psicológica às nossas pessoas? Sem dúvida. Mas, e ao contrário, quem proporciona segurança psicológica aos nossos líderes ou aos líderes das nossas pessoas? Ninguém? É que se apenas as nossas pessoas precisam de segurança psicológica temos não um problema de liderança versus liderados mas, antes, um problema parental, i.e., de pais-filhos. Como uma empresa não é uma família e os líderes não são os pais das nossas pessoas então há um ponto essencial que é preciso começar a entender de uma vez por todas: se se querem líderes que proporcionem segurança psicológica há, também, uma reciprocidade nas relações e as nossas pessoas terão de proporcionar segurança no trabalho, previsibilidade nas suas entregas, consistência no que fazem e lealdade aos nossos líderes.

Não vou colocar isto por níveis ou graus de importância. Todos são importantes. Líderes e liderados. Porque todos são pessoas e todos são as nossas pessoas. Mas, pondo na forma que se arranjou para separar as nossas pessoas das lideranças, se as nossas pessoas precisam de segurança psicológica então os líderes precisam de acreditar nas suas pessoas enquanto trabalhadores e enquanto capazes de criar e entregar riqueza.

Uma das grandes questões disto é que estamos sempre muito preocupados com o acessório. E o que é o acessório?

O acessório está centrado em qual o número de dias que trabalho por semana.

O acessório está centrado em qual o número de horas de trabalho e a que horas posso sair.

O acessório está centrado em quantos dias tenho de remoto por semana uma vez que sem o remoto não tenho qualidade de vida.

O acessório está centrado na qualidade do que me dão nas instalações da empresa. Há por lá uma sala decente onde possa almoçar, aquecer o meu almoço, descansar, jogar a um ping-pong ou tocar piano?

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Tudo isto, e muito mais, é, antes de estar acoplado ao essencial, acessório.

O essencial é diferente. E o que é o essencial?

O essencial é perceber se uma determinada tipologia de empresa consegue criar riqueza com quatro dias de trabalho por semana. Criar riqueza. Porquê? Porque é legítimo que as nossas pessoas tenham acesso a mais e melhores salários.

O essencial é saber quantas horas tenho de trabalhar por semana para criar a riqueza para a empresa que permita a devida compensação.

O essencial está centrado na produtividade, na qualidade da entrega, na previsibilidade do trabalho que faço e na segurança com que o trabalho sai das minhas mãos. Na qualidade da minha decisão enquanto pessoa de uma empresa. Na flexibilidade que me é permitida em termos de vida, face ao que entrego em termos de valor, para que faça uma boa gestão das várias questões pessoais, entre outras, que se me apresentam. O essencial, resumindo, está na riqueza que sou capaz de produzir, decidindo, e naquilo que acrescento à empresa. Porque a riqueza que sou capaz de produzir é o que ditará o número de dias que tenho de trabalhar, a que horas posso sair, e o número de dias que posso ter em remoto.

O contrário é acreditar que o acessório se sobrepõe ao essencial e que esse acessório, porque me é conveniente enquanto pessoa, não traz responsabilidades associadas.

Sei que é muito simples estar na crista da onda e ter milhares de palmas com um discurso em que apenas foco o acessório sem focar o essencial. Porém, temos de encontrar formas de nos apaixonarmos pelo que fazemos, temos de entregar valor, temos de ser fiáveis, temos de ser consistentes e seguros do output do nosso trabalho para que a relação líder-nossas pessoas possa passar a um patamar superior.

O acessório só deve ser debatido e aprofundado depois do essencial. Ou pelo menos em paralelo. E o que vejo é que o essencial não aparece e apenas se debate o acessório, sem mais.

Não, não está correto ganharmos mais sem que produzamos mais. Não está correto termos acesso a riqueza que não é parte daquilo que produzimos. Numa palavra, é eticamente incorreto exigirmos o acessório sem nos preocuparmos também com o essencial.