Mais de 2 milhões de portugueses estão espalhados pelo mundo à procura de uma vida melhor. Razões económicas e sociais motivam a constante saída de nacionais e não está muito distante o tempo em que o telejornal abria com os fluxos migratórios portugueses, em  especial para países francófonos.

Em muitos desses locais, não eram raras as histórias de adaptações difíceis à realidade local, por  vezes provocada pelos cidadãos dos países que nos recebiam. O preconceito em relação a  portugueses e ao seu trabalho reproduzia-se pelo mundo fora. Nos últimos anos, tem havido uma  viragem no preconceito: o alvo deste, agora, são os cidadãos vindos, principalmente, de países em  guerra ou com taxas de pobreza elevadíssimas, razões incomparáveis com as que motivavam os  portugueses a emigrar.

Em 2016, Donald Trump foi eleito em grande parte pelo discurso anti-imigração que adotou ao  longo da campanha (como já admitido pelo próprio), provocado pelo elevado número de  imigrantes que entravam no país, particularmente, pela fronteira a sul. Esse tema acabou por  ecoar um pouco por todo o mundo, exponenciado, também, pelo crescente número de migrantes  que recorriam ao Mar Mediterrâneo para fugir dos seus países e, muitas vezes, entrar ilegalmente  na Europa. Especialmente os partidos a favor de políticas protecionistas e de “portas fechadas”  rapidamente fizeram da questão uma bandeira, em todas as eleições subsequentes. A forma como  têm vindo a conseguir infligir e aproveitar-se de um sentimento de insegurança dos cidadãos é o que lhes continua a dar força e a fazer com que não abandonem o tema. Expressões como  “substituição da demografia europeia, por indivíduos de outro continente”, “bandidos”, “avanço do  fundamentalismo islâmico”, “horda de imigrantes”, “proibição da entrada massiva de imigrantes  islâmicos e muçulmanos”, em conjunto com as várias associações feitas entre os imigrantes e a  criminalidade, a crise do SNS ou da Segurança Social são usadas para levar a que imigrantes de  nacionalidades bastante específicas sejam inferiorizados e menosprezados em relação a tantos  outros. Mas qual é a composição da imigração em Portugal? Quais as suas consequências?

A população imigrante representa 7,5% da totalidade dos habitantes em Portugal. No top 5 de  nacionalidades representadas nestes indivíduos, temos o Brasil com 29% (uma maioria  esmagadora), o Reino Unido com 6%, Cabo Verde com 5%, Itália com 4,5% e Índia com 4%, sendo  que a soma de todos os países da Ásia Meridional não ultrapassa os 10% do total dos imigrantes  que chegam a Portugal, ou seja, 0,8% da população total. Os últimos dados disponibilizados pela  Pordata demonstram que, na sua totalidade, os imigrantes contribuíram com mais de 1,86 milhões  de euros para a Segurança Social, tendo apenas beneficiado de 257 mil euros em prestações  sociais, ou seja, um saldo positivo de mais de 1,6 milhões de euros. Com a imigração a aumentar  ano após ano, de 2012 a 2022 os reclusos imigrantes diminuíram em 27%.

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E em relação ao mercado de trabalho? Estão os imigrantes a “roubar” trabalho aos portugueses?  Conseguiriam as empresas sobreviver sem eles? Ainda que os residentes imigrantes tenham  aumentado, a taxa de desemprego diminuiu consideravelmente na última década. A mão de obra imigrante tem um peso de 40% na agricultura e pesca, 30% no alojamento e restauração e mais de  20% na construção (dados do Banco de Portugal). Para além de tudo isto, 31% do total dos  imigrantes encontra-se em situação de pobreza, o que demonstra que, mais do que vir para  desempenhar tarefas que os portugueses não querem, vêm receber salários que os portugueses  estão longe de aceitar. As situações económicas e sociais são tão precárias nos seus países de  origem que, mesmo sendo explorados com remunerações abaixo do salário mínimo e condições de habitação degradantes, não deixa de ser uma melhoria na sua vida.

Apesar da sensação de insegurança ser real nalgumas partes do país, longe está de ser provocada exclusivamente pelos protagonistas atirados para a praça pública por quem os quer ver fora do  território nacional. André Ventura, confesso cristão e autodesignado como enviado por Deus,  parece também achar que é a ele a quem Deus fala e não ao Sumo Pontífice e Chefe da Igreja  Católica, Papa Francisco. Já que o primeiro é responsável por muitas das expressões e acusações  acima mencionadas, assim como o autor da proposta de referendo à imigração e de  manifestações contra a mesma; o segundo veio, ainda no passado dia 28 de agosto, pela enésima  vez, alertar para o grave pecado que é afastar migrantes e refugiados: “É preciso dizê-lo  claramente: há quem trabalhe de forma sistemática e com todos os meios para repelir os  migrantes e isto, quando feito com consciência e responsabilidade, é um pecado grave”, declarou o Papa, na Praça de São Pedro. Pode o líder do Chega não se identificar com o atual Papa, mas  com o próprio Jesus, seria mais difícil de o justificar… Que diria ele a Jesus quando este deu “a  água viva da vida eterna” a uma samaritana, povo a quem os judeus nem sequer dirigiam a  palavra? Será Ventura, certamente, o pináculo da criação, para ser o único em posição de definir  quem são os verdadeiros merecedores da sua compaixão…

Longe estou de aceitar que Portugal tenha uma política de portas escancaradas, como também  muitos outros parecem querer, ignorando as condições de vida desumanas que tal opção provoca.  A ausência total de critérios ponderados, adequados e proporcionais não levam a um mundo mais  aberto e acolhedor dos povos em sofrimento, mas sim a uma conivência com a exploração de  trabalhadores em situações precárias e com as múltiplas organizações de tráfico humano. A  solução para que nem os cidadãos nacionais sejam prejudicados e postos em perigo, nem os  imigrantes sejam deixados ao abandono, não passa por nenhuma das visões para já mencionadas.  Essas levam apenas à divisão da população e ao enviesamento quando tais temas são debatidos.  A fiscalização das migrações tem de ser o foco de um estado de direito democrático, pois só assim será possível fazer com que não entrem mais imigrantes do que o mercado de trabalho possa  receber, a Segurança Social consiga aguentar e a segurança do país que recebe não seja posta em  perigo. Tudo isto, assegurando primeiro que estas mesmas condições sejam calculadas tendo em  conta os cidadãos do país em causa, pois é destes que os governantes são representantes. A partir  do momento em que estes não virem as suas condições de vida postas em causa pelos imigrantes,  não existirão razões (no seu sentido mais literal) para defender qualquer tipo de fecho de  fronteiras.

As mudanças realizadas na nova legislatura deram um passo importante neste sentido, já que  extinguiram a contradição entre o Código do Trabalho e a legislação sobre Autorizações de  Residência ou Permanência, onde a primeira exigia um visto de trabalho ou título de autorização de  residência ou permanência e a segunda exigia um contrato de trabalho para obtenção da dita  autorização. Para além disso, deixou de permitir que a manifestação de interesse fosse suficiente  para permanecer em território nacional, sendo obrigatório para que a celebração de um contrato  de trabalho sequer inicie a obtenção de um visto legalmente admitido. No entanto, o reforço das  políticas de fiscalização têm de ser constantemente reforçadas, de forma a que nem uns possam  utilizar a imigração como arma de arremesso, nem outros possam dela aproveitar-se para colar  quem quer legislar sobre a matéria a quem defende que a mesma não devia existir.

O mundo sempre evoluiu com a globalização e não será agora, mais de 2 mil anos depois que tal  vai mudar. Somos por isso responsáveis por uma evolução consciente e refletida e não desmedida  e desumana.