Antes de sabermos os resultados definitivos, antes mesmo de a campanha eleitoral estar concluída e de termos chegado ao dia de reflexão, já todos sabíamos que estas eleições iriam ser históricas. Agora que já temos os números finais – ou quase-finais, na medida em que ainda faltam contar os dos círculos de fora de Portugal -, a certeza que já tínhamos solidificou-se: em primeiro lugar, o bloco da esquerda sofreu um violento revés, com todos os partidos a manter ou a perder assentos no parlamento, com exceção do LIVRE; em segundo lugar, o bloco reformista, constituído por AD e IL, ficou aquém das expectativas eleitorais, e, dependendo do resultado dos circulos exteriores, poderá ficar com menos deputados que o bloco da esquerda; por fim, o CHEGA!, com os seus 48 deputados, conseguiu romper, pelo menos enquanto durar a legislatura emergente do 10 de março, o bipartidarismo português, obrigando PS e AD a lidar com um novo, e indesejado, partido charneira. Deste quadro, resulta uma conclusão: o bloco reformista está isolado. A maioria exígua de Luís Montenegro, permitindo-lhe chegar a PM e formar governo, não lhe granjeia margem de manobra ampla o suficiente para realizar as reformas necessárias à manutenção do regime, da saúde das instituições, e do estado social. Não há certezas, sequer, se conseguirá fazer passar o seu primeiro Orçamento de Estado, e se o conseguir, a que preço. Um deslize que seja, e tudo se desmorona. Perante este cenário de alto risco, em que nada é certo, o que deve fazer Luís Montenegro? Essencialmente, duas coisas. Em primeiro lugar, assumir, ab initio, que o governo não é para durar: por um lado, isto vai imprimir no executivo e no legislativo da AD um senso de urgência na apresentação de propostas que a credibilizem como força reformadora, capaz de revigorar o regime e as instituições; por outro, vai permitir aos legisladores do bloco reformista selecionar aquelas que são as propostas mais prementes e que devem, necessariamente, ver a luz do dia, pelo mínimo, até à discussão do OE para 2025. Em segundo lugar, e tendo já toda a gente percebido que o PS é, nos dias que correm, uma força de bloqueio (institucional, política, económica, social, etc.) no país, criar as pontes possíveis com a outra força reformista do parlamento, a IL, e com o partido charneira, o CHEGA. No caso da IL, essas pontes devem mesmo passar por uma coligação pós-eleitoral ou, no mínimo, um acordo de incidência parlamentar. Já no caso do CHEGA, as pontes devem ser criadas em assuntos muito pontuais, e sempre norteadas por dois critérios cumulativos: devem incidir sobre temas que preocupem o mais de um milhão de eleitores do CHEGA; e nesses temas deve existir um módico de convergência entre as forças reformistas e o partido charneira, tendo as primeiras sempre o cuidado de definir muito bem as linhas do que é, e do que não é, aceitável e negociável. Ao fazer isto, Luís Montenegro não está a trair o seu “Não, é não!”, apenas a reconhecer o que é do domínio da evidência: o CHEGA, graças ao jogo perigoso de António Costa, é hoje uma força incontornável, qual URSS durante a II Guerra Mundial. Por isso mesmo, aliás, Montenegro deve negociar com Ventura com o mesmo espírito com que Churchill negociou com Estaline: com a profunda convicção de que, por vezes, para se atingir um bem maior, é mesmo preciso falar com o diabo. Concluindo, só trilhando o caminho que acima delineei o líder das forças reformistas conseguirá a aura de autoridade absolutamente indispensável para convencer o eleitorado a dar-lhe a maioria necessária para um governo de regeneração nacional.

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