Li, com curiosidade genuína, o artigo publicado no Publico no passado dia 14 de julho, intitulado “Florestas emissoras de gases com efeito de estufa, Parte 1 – Há três florestas europeias que emitem mais gases poluentes do que absorvem e uma delas é portuguesa”. É um de “quatro artigos de uma investigação de três jornalistas sobre gestão florestal na Europa, apoiada pelo Earth Investigations Programme do Journalismfund Europe”, assinado por Carbon Forests Project (não consegui encontrar referências do projeto em causa). Não conheço nenhum dos três jornalistas que levaram a cabo a referida investigação, nem o seu trabalho.

Confesso que o que li me intrigou. Para investigação, o texto tem muitas opiniões, quase nunca fundamentadas. Concordo com algumas coisas, noutras confesso-me ignorante (evito, por isso, ter opinião), discordo de diversas conclusões. Aqui vai, pois, a minha reflexão, a bem da Floresta e dos Homens, apesar do Carbono, esse gás poluente que ambos emitem.

Desde logo o título: há três florestas europeias (pelo menos três, pois calculo que não tenham investigado todas as florestas europeias) que emitem gases poluentes. A designação do CO2 como “gás poluente” não deixa de ser curiosa. É, de facto, um dos gases que provoca efeito de estufa, mas… gás poluente? Cai mal. É como se, numa eventual investigação sobre fenómenos de cheias na Europa, a água passe a ser designada por “líquido poluente”. É verdade que, “tudo o que é demais é moléstia” (sábio, o nosso povo), mas numa investigação que se quer isenta, talvez a opção não seja a mais adequada. Designar, mesmo no enquadramento do artigo em causa, o CO2 como poluente é desvirtuar a importância que ele tem para a existência de condições de vida (como a conhecemos) no nosso planeta. E coloca, de imediato, um dramatismo na questão que afasta qualquer raciocínio mais objetivo.

Em segundo lugar, tratando-se de uma investigação, faz muita falta a ausência de enquadramento que ilustre e explique o caminho percorrido, em termos de ocupação e uso do solo, de cada uma das três regiões abordadas até se chegar ao momento em que elas se tornam “poluidoras”. Este enquadramento é essencial, em cada um dos exemplos negativos dados, para melhor compreender o porquê do presente. O que é que existia antes em cada um dos territórios? Como evoluíram e o que representaram, para as populações, ao longo deste período? Quais os seus méritos?

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Em terceiro lugar, e focando-me agora apenas no caso português, o artigo refere que “…a monocultura florestal tem impactos ambientais negativos, desde logo porque reduz a biodiversidade. Como em tudo, há quem discorde de que esses impactos sejam significativos…”. A discussão do tema dos impactos das florestas plantadas (logo, também as de eucalipto) é essencial. Embora existam opiniões muito diversas sobre a questão, os dados e a ciência permitem-nos estreitar muito o leque de opiniões fundamentadas. Dois pontos essenciais que terão escapado à investigação: (1) uma gestão adequada e sustentável das áreas de florestas plantadas pode e deve incorporar a dimensão da biodiversidade no seu sistema de objetivos (jogando, à vez, com os conceitos de land sharing e de land sparing) e (2) as florestas não podem (não devem) ser olhadas por um prisma de um único objetivo (seja ele o sequestro de carbono, a promoção da biodiversidade, a produção de madeira, o nível de  rentabilidade, ou outro qualquer), sendo necessário ter uma visão clara daquilo que pretendemos, enquanto sociedade, da floresta no nosso país. E parece-me que só com “menos gás poluente” não teremos grande futuro.

Em quarto lugar, e referindo-se aos incêndios de 2017, o artigo denuncia: “…Por detrás da tragédia, diz o relatório, estava a falta de gestão da floresta. Os autores estimavam que 80% da floresta portuguesa não estava a ser gerida. Na origem do problema diziam estar, entre outros fatores, as más práticas de gestão, sobretudo associadas à monocultura do eucalipto e pinheiro, responsáveis pela criação de “grandes áreas sobrelotadas de monocultura de classes de idade única”. Primeiro uma nota de estranheza pela terminologia: o que se entende por “grandes áreas sobrelotadas de monocultura” numa região que é caraterizada pelo micro e minifúndio? Terá havido um complot dos proprietários? No resto, estou de acordo com a investigação – o problema da floresta em Portugal é essencialmente um problema de falta de gestão. Não é, infelizmente, um problema das espécies presentes no terreno. O abandono (i.e., falta de gestão) de grandes manchas de floresta no centro do País, onde existe clara predominância de pinheiro e eucalipto, faz com que sejam estas espécies a arder. Como a Ciência já nos provou à exaustão, os incêndios não ocorrem em função das espécies presentes no território, mas antes da natureza, qualidade e quantidade de biomassa presente (continuidade vertical e horizontal) e, claro está, das condições meteorológicas prevalecentes em cada momento.

Em quinto lugar, o artigo questiona: “… na era das alterações climáticas, a pergunta impõe-se: está a nossa floresta preparada para resistir aos incêndios? E ainda: que interesses guiam a gestão florestal em Portugal?” A nossa floresta (nossa não, que ela tem dono), para resistir melhor aos incêndios, tem que ser gerida. Se o for, toda ela, com as diferentes espécies que a constituem, estará muito mais perto de resistir aos grandes incêndios e a muitos outros problemas que a afetam. Em relação aos “interesses que guiam a nossa floresta”, penso que o maior problema tem a ver com a floresta em relação à qual não existem interesses – havendo interesses (claros e transparentes, evidentemente) existirá sempre quem cuide. Caso contrário, só com amor e sem interesse, a coisa fica mais difícil.

Finalmente, um último ponto que denota, na minha leitura, algum enviesamento à partida para esta investigação. Refere o artigo: “… a floresta portuguesa está quase toda em mãos privadas. Mais concretamente, 97%. Apesar do peso dos privados, a floresta em Portugal continua a ser, para muitos proprietários, um mau negócio. A consequência imediata desse desinteresse é o abandono. A falta de perspetivas de longo prazo leva muitos proprietários a investir em espécies de crescimento rápido e que deem lucro rapidamente. É o caso do eucalipto…”. Esta afirmação, sendo interessante como base para uma discussão sobre os rendimentos que a floresta gera ou não gera, nomeadamente porque é que a sociedade (através do Estado) não remunera (i.e., paga aos seus proprietários) de forma adequada os serviços de ecossistema (verdadeiros bens públicos que toda a floresta bem gerida produz), encerra uma contradição óbvia – se o eucalipto por ser de crescimento rápido dá lucro rapidamente, então porque é que tal “galinha dos ovos de ouro” está sem gestão numa tão grande extensão? O problema, infelizmente, é muito mais complexo, mas merece certamente ser debatido com seriedade e profundidade. Aguardarei, pois, pelos três artigos que sairão nas próximas semanas.