O setor têxtil é um dos maiores responsáveis pela degradação ambiental, com impacto na utilização de recursos naturais, poluição da água e emissões de gases com efeito de estufa. Em resposta a este problema, a União Europeia (UE) implementou um conjunto de medidas ambiciosas com o objetivo de mitigar os efeitos adversos da indústria e promover a transição para uma economia circular, incluindo a reciclagem e a reutilização de resíduos têxteis, através da Proposta de DIRETIVA DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO que altera a Diretiva 2008/98/CE relativa aos resíduos (COM/2023/420 final).

Impactos ambientais e sociais dos resíduos têxteis

A crise dos resíduos têxteis não é apenas uma questão de volume do seu depósito, mas também de poluição e uso excessivo de recursos naturais. Para fabricar uma simples t-shirt de algodão, são necessários aproximadamente 2700 litros de água, uma quantidade equivalente ao consumo médio de água de uma pessoa durante dois anos e meio. Além disso, a produção têxtil é responsável por cerca de 20% da poluição global de água potável, devido ao uso de produtos químicos no tingimento e acabamento das peças.

A questão dos microplásticos também merece preocupação. A lavagem de tecidos sintéticos, como o poliéster, é uma das principais fontes de depósito de microplásticos nos oceanos. Cada ciclo de lavagem de roupa de poliéster pode libertar 700.000 microfibras, que eventualmente acabam nos ecossistemas marinhos e na cadeia alimentar. Este impacto ambiental negativo reforça a necessidade de uma ação rápida e eficaz para combater o problema dos resíduos têxteis.

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A transição para uma Economia Circular

A estratégia da UE para os têxteis vai além de simplesmente lidar com os resíduos. Em março de 2022, a Comissão Europeia apresentou uma estratégia para garantir que os produtos têxteis sejam mais duráveis, reutilizáveis, reparáveis e recicláveis. Isso inclui novos requisitos de conceção ecológica, a criação de um passaporte digital para produtos e a promoção de práticas de negócio sustentáveis, como o aluguer de roupas e a moda circular, que incentiva a reutilização de peças e a compra de produtos de melhor qualidade e em menor quantidade (moda lenta).

Com a implementação destas medidas, espera-se que a dependência da moda rápida seja gradualmente reduzida, criando um paradigma de consumo de têxteis mais sustentável e consciente. No entanto, a concretização desses objetivos depende do cumprimento rigoroso dos prazos estabelecidos.

Os prazos e a ação urgente necessária

A urgência de ação é clara: a UE estabeleceu que até 1 de janeiro de 2025, todos os Estados-membros e as suas regiões administrativas, devem ter sistemas de recolha seletiva para os resíduos têxteis, focando-se na sua reutilização, preparação para reutilização e reciclagem. Esta, irá transformar-se em obrigatória, com metas mais ambiciosas para 2030 do que as que estavam estabelecidas na Diretiva 2008/98/CE, que exigirá mudanças estruturais profundas tanto a nível nacional como local.

As autarquias terão um papel central nesta transição, sendo já elas responsáveis pela implementação dos sistemas de recolha seletiva nos seus territórios. O não cumprimento destes prazos pode resultar em penalizações da Comissão Europeia, aos Estados-Membros e aos operadores (fabricantes, importadores ou seus legais representantes). A pressão sobre os Estados-Membros e por sua vez, destes, sobre as regiões administrativas, para que desenvolvam infraestruturas adequadas, irá fazer-se sentir nos custos da recolha de resíduos indiferenciados, e o tempo para agir está a esgotar-se.

O impacto da falta de uma recolha adequada já é visível. A produção de têxteis na UE, alimentada pela moda rápida, gerou 121 milhões de toneladas de gases com efeito de estufa em 2017. A cada ano, cada cidadão da UE consome, em média, 26 kg de produtos têxteis e descarta cerca de 11 kg, dos quais 87% acabam em aterros ou são incinerados, em vez de serem reciclados ou reutilizados. Esta realidade tem contribuído para uma crise ambiental que só pode ser resolvida com medidas mais severas, um roteiro e prazos rigorosos.

Responsabilidade Alargada do Produtor (RAP)

Um dos elementos mais inovadores desta nova DIRETIVA DE RESÍDUOS é a introdução da responsabilidade alargada do produtor (RAP) no âmbito dos resíduos têxteis. Inicialmente, a Comissão Europeia propôs um período de 30 meses após a entrada em vigor da diretiva para que os regimes de responsabilidade fossem implementados. Contudo, os eurodeputados pressionaram para que este prazo fosse reduzido para 18 meses, reconhecendo a urgência da situação.

A responsabilidade alargada do produtor obriga os fabricantes e empresas que colocam produtos têxteis no mercado único europeu a ter de assumir os custos da recolha seletiva, triagem, tratamento e reciclagem dos resíduos têxteis. Isso significa que a partir de 2025, com um prazo limite de transição e adaptação de mais 18 meses, estas empresas deverão contribuir financeiramente e logisticamente para a infraestrutura necessária ao manuseamento dos resíduos gerados pelos seus produtos, incluindo a sua reciclagem ou neutralização.

Para as empresas que não cumprirem estas obrigações, os custos serão altos, tanto financeiramente quanto em termos de reputação. O incumprimento da responsabilidade alargada do produtor acarretará a aplicação de taxas e coimas, bem como a perda de notoriedade das marcas por falhar no respeito pelas regulamentações ambientais e sociais, o que terá impacto negativo nos seus relatórios de sustentabilidade ESG (Ambiental, Social e Governança). Este cenário pode, além de obrigar os Estados-Membros a garantir o cumprimento destas regras por parte dos operadores, levar ao impedimento de operar, aos que não cumpram.

O Impacto económico-financeiro nas regiões dos Estados-Membros

Para além das empresas, os municípios também enfrentam consequências caso não cumpram com as metas de recolha seletiva de resíduos têxteis. Se os resíduos urbanos não forem devidamente tratados, os custos futuros ver-se-ão aumentados. Estima-se que até 2030, o custo de enviar uma tonelada de resíduos para aterro poderá variar entre 180 a 200 euros. Estes custos crescentes pressionarão os orçamentos municipais e, em última análise, poderão refletir-se no aumento de impostos locais ou na redução de serviços essenciais.

Além do impacto financeiro direto, o não cumprimento das metas climáticas afeta também a reputação das autarquias, influenciando a sua capacidade de atrair investimento, financiamento para projetos sustentáveis e até turismo, que cada vez mais valoriza destinos comprometidos com a sustentabilidade. As contas climáticas dos municípios, que passam a integrar o cálculo do seu desempenho ambiental, serão afetadas, prejudicando a sua posição no contexto da transição verde europeia.

O Caminho para Portugal

A atualização da nova Diretiva de Resíduos prevista para entrar em vigor a 1 de janeiro de 2025 que obrigará à recolha seletiva de resíduos têxteis e à implementação dos regimes de responsabilidade alargada do produtor são desafios para Portugal. É essencial que Portugal e as suas regiões alinhem as suas políticas de resíduos com os objetivos da UE. Tanto as autarquias quanto os produtores devem agir de forma coordenada e urgente para garantir que as infraestruturas necessárias sejam implementadas a tempo e que os resíduos têxteis sejam devidamente tratados.

A transição para uma economia circular no setor têxtil não é apenas uma responsabilidade ambiental, mas também uma oportunidade de modernizar a economia e reduzir os impactos negativos sobre a cadeia produtiva nacional. O tempo para agir é agora, e o cumprimento rigoroso dos prazos europeus será a chave para garantir um futuro para Portugal, as suas regiões e indústrias que se queiram competitivas e sustentáveis.