A proposta apresentada pelo PSD de transferir o Tribunal Constitucional de Lisboa para Coimbra é, dirão alguns, puro oportunismo eleitoralista. Será, talvez. Todos sabemos que Rui Rio joga na noite das eleições a sua permanência à frente dos destinos do seu partido e que uma derrota em Coimbra pode resolver o assunto a seu desfavor. Porém, reconheça-se que há muito que Rui Rio vem acenando esta bandeira, pelo que se pode haver críticas quanto ao momento, já não faz sentido censurar a essência da proposta.

Ora, os juízes do Tribunal Constitucional, que emitiram parecer sobre o tema, não se enredam em considerandos próprios de despiques eleitoralistas. Mas o certo é que não se poupam a esforços para que a proposta não seja aprovada e fincam os pés em Lisboa. A mudança de Lisboa para Coimbra é, dizem os venerandos conselheiros, “desprestigiante”. Falemos, pois, de prestígio ou falta dele.

Num artigo como este não caberiam todos os nomes de juristas de Coimbra que contribuíram decisivamente para moldar o direito e a ciência do direito em Portugal, e que prestigiam a cidade e o país. Mas é particularmente saboroso e prestigiante lembrar que é de Coimbra um dos nomes que mais reconhecidamente contribuiu para fundar a aprofundar o estudo e compreensão do direito constitucional em Portugal: Gomes Canotilho, que ainda há semanas foi reconhecido por todo o país pelo seu inestimável contributo para a ciência do direito. O próprio Presidente da República o chamou de “pai do constitucionalismo português”. Também a sua filha Mariana Canotilho lembra, em sentido contrário ao do infeliz parecer, que“não há um centímetro quadrado de território da República que seja indigno de albergar o Tribunal”. Vê-se que herdou do pai muito mais do que o apelido, desde logo a capacidade de interpretar a Constituição, coisa que parece faltar a outros senhores conselheiros.

É também prestigiante para Coimbra saber que um dos outros mais proeminentes juristas contemporâneos, Manuel da Costa Andrade, afirma sem rodeios que o Tribunal Constitucional tem a seu cargo “processos onde ecoam os trabalhos e os dias de 10 milhões de cidadãos, com o cortejo dos seus problemas, expectativas, frustrações e conflitos. E cuja superação normativa pouco terá a perder – porventura alguma coisa a ganhar – se tiver lugar num horizonte onde se mostre esbatido o rosto da capital e chegue amortecida a sua voz”.

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Diz o parecer do Tribunal Constitucional que mudar a localização do Tribunal tem uma “negativa carga simbólica”. Negativa para quem? Ninguém supõe que a mudança de instalações deva acontecer de um dia para o outro, ou que os direitos de funcionários, juízes e assessores não sejam acautelados. Por esta altura todos devemos começar a perguntar-nos se acolher um Tribunal com uma mentalidade tão atávica e centralista não será antes um desprestígio para Coimbra, que sempre deu ao país pessoas de vistas largas.

O parecer diz mais sobre o que os juízes pensam do território nacional do que sobre o próprio Tribunal Constitucional: para eles Portugal é Lisboa.

A questão vale o que vale. Esta mudança de localização não é verdadeira descentralização, que tanta falta faz ao país, mas seria já um bom sinal. De resto, não é a mudança do Tribunal Constitucional para Coimbra que vai salvar a cidade do seu declínio. Para isso não basta um Tribunal com 12 juízes e uns quantos funcionários. Seria preciso muito mais: políticas de transparência na governação camarária, de atracção do investimento, de protecção dos desfavorecidos de modo a garantir igualdade de oportunidades, de promoção da marca Coimbra dentro e fora do país, de planeamento do futuro de modo sustentável. Mas parar com esta caminhada nacional no sentido da macrocefalia do país, em que Portugal é uma capital gorducha rodeada de bonita paisagem, já ajudaria a que alguma coisa mudasse.

Se as pessoas que aplicam a nossa Constituição acham que só Lisboa é que é prestígio, para quem nos devemos voltar quando quisermos lembrar que o artigo 81.º da Constituição diz, na sua alínea d), que incumbe prioritariamente ao Estado promover, entre outras coisas, a “coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões”? Está visto que para o Palácio Ratton não é de certeza. Talvez, um dia, nos possamos voltar para juízes que apliquem a Constituição a partir do Palácio dos Grilos, ou de outro edifício na cidade que fez nascer a ciência jurídica em Portugal. A Iniciativa Liberal de Coimbra cá estará para ajudar a que isso aconteça.