A oferta da engenharia portuguesa é reconhecida ao nível global, por vários motivos, destacando-se a qualidade do ensino em Portugal, não obstante a ampla margem de melhoria. De facto, a educação determina o desenvolvimento de um país ao ensinar a ciência e tecnologia que existe e ao preparar para a que há-de chegar, pelo que deve ser atendida com o máximo de zelo.
O ensino superior baseia-se em universidades e politécnicos, que, segundo a lei, são subsistemas com vocações diferentes, integrados na rede pública ou privada. Mas, na realidade, a diferenciação de objetivos entre os subsistemas universitários e politécnicos é ténue e nem sempre consensual, havendo uma larga oferta formativa de caráter semelhante, em parte devido à autonomia, constitucionalmente definida, das instituições de ensino superior (IES) e à falta de regulação da parte do Governo ao abrigo de uma estratégia nacional coerente. Em casos análogos, os alunos tendem a preferir as universidades aos politécnicos, começando pelas de maior prestígio.
Após o 25 de Abril, com a democratização do ensino e consequente aumento da procura, houve uma forte expansão do sistema de ensino superior, criando-se numerus clausus para gerir os acessos, implementando uma rede de politécnicos e abrindo a iniciativa ao setor privado. Experienciou-se assim um crescimento exponencial até aos anos 90, mas de forma desordenada e desregulada, com foco na quantidade e não na qualidade, tendo-se passado de 40 para 400 mil alunos. À data de hoje, estamos perante um quadro de estagnação.
A “Reforma de Bolonha”, impulsionada em Portugal pelo Decreto-Lei nº 74/2006, embora com o excelente propósito de promover a competitividade das escolas e a mobilidade e empregabilidade dos estudantes e profissionais no espaço europeu, não tem sido totalmente bem sucedida, verificando-se na atualidade uma mobilidade incipiente, um modelo de transmissão de conhecimentos ao invés de transmissão de competências,e um número significativo de cursos idênticos, irrelevantes ou mal estruturados, sem procura e sem saídas profissionais. Este panorama deve-se a questões culturais e políticas, incluindo a falta de participação ativa da comunidade académica, das associações profissionais e dos empregadores, no sentido de contribuirem para um ensino mais centrado no estudante, para a definição mais precisa dos objetivos da aprendizagem e para a inovação pedagógica.
Não obstante, em Portugal, desde 2007, a Agência de Avaliação e Acreditação do Ensino Superior (A3ES) tem sido responsável pela avaliação e acreditação das IES e dos seus ciclos de estudos, o que, em paralelo com a Ordem dos Engenheiros (OE), certificada internacionalmente para atribuir a marca de qualidade EUR-ACE, tem contribuído para controlar a qualidade dos cursos superiores de Engenharia, impactando assim no seu reconhecimento ao nível nacional e internacional.
Enquanto que a racionalização, acreditação e regulação da oferta educativa se assumem como aspetos fundamentais para assegurar a qualidade do ensino, não de somenos importância é a consolidação da rede, onde se tem verificado a proliferação de universidades e politécnicos ao sabor da pressão social e de interesses políticos, principalmente em regiões de baixa pressão demográfica, não obstante a necessidade de inclusão territorial. Regra geral, quanto maior o número de instituições, maior a dificuldade em garantir o apoio financeiro adequado, o que impacta no nível de qualidade, sustentabilidade e competitividade do ensino e da investigação. Para dificultar, a dotação do Orçamento do Estado para o Ensino Superior tem vindo a diminuir nos últimos 10 anos, pondo em sério risco várias instituições. Não sendo possível definir o tamanho ideal para a rede do ensino superior, a estratégia deverá ser definida em função das necessidades da região e do país e das melhores condições para os professores e alunos.
A percentagem de alunos que frequenta o ensino superior em Portugal, comparada com a média comunitária e com as nossas necessidades e objetivos de recursos humanos qualificados, é ainda reduzida. Todos os anos, mais de metade dos jovens não acede ao ensino superior, correspondendo ao dobro da média europeia, e na faixa etária dos 25 aos 64 anos apenas 6% dos portugueses tem uma licenciatura. De entre os motivos destacam-se a escassez de oferta formativa de cursos técnicos superiores profissionais, os custos diretos (e.g. propinas, matrículas, computadores, material, livros e fotocópias) e indiretos (e.g. alojamento, telemóvel, comida e despesas médicas, transportes e despesas pessoais), os critérios de admissão e a empregabilidade.
A estrutura do ensino superior politécnico deveria estar mais bem adaptada à sua missão, de caráter prático e profissionalizante, não competindo assim com as universidades, que têm uma vocação diferente.
Para aliviar o peso dos custos da educação, será necessário aumentar a participação do Estado e criar soluções de subsídio e financiamento em maior quantidade e abrangência – só os custos diretos com a educação chegam a representar mais de 20% do orçamento familiar, ao que acrescem os custos indiretos, agravados para os mais de 75% dos alunos deslocados do concelho de origem.
Os critérios de admissão podem revelar-se como demasiado exigentes para alguns candidatos, destacando-se como exemplo as disciplinas de Matemática e Física enquanto requisitos para os cursos de Engenharia. Embora fundamentais para a estruturação do pensamento lógico, carregam normalmente a tradição e o estigma da dificuldade e do trabalho árduo, havendo ainda muito por fazer neste domínio para ultrapassar esta visão e encaminhar adequadamente os jovens.
Os alunos estão cada vez mais atentos à empregabilidade, nível salarial e perspetivas de evolução a longo prazo, podendo um curso superior, em particular na área da Engenharia, ser bastante atrativo. Impõe-se, assim, um reforço de articulação institucional entre as associações profissionais, as escolas de Engenharia e associações congéneres de outros países, no sentido de promover condições de empregabilidade por meio de programas de interesse quer para jovens recém-diplomados quer para profissionais já com experiência.
A crescente complexidade dos projetos, a necessidade de interação multidisciplinar e a evolução tecnológica apontam para um futuro mais integrado e colaborativo na aprendizagem, ligando o ensino da Ciência e Engenharia a fronteiras da ética, do direito e da economia. Tal requer um ensino eficiente, modular e diverso, orientado para a adaptação e agilidade, iniciativa e inovação, onde as tecnologias digitais, as soft skills e a cooperação entre universidades e empresas assumem um papel preponderante – particularmente para as engenharias, por tradição mais focadas nas hard skills – e os currículos académicos deverão também garantir habilitações em comportamentos e conhecimentos em áreas de línguas e ciências sociais.
As escolas serão assim, tendencialmente, espaços para o desenvolvimento do pensamento analítico, da capacidade de aprendizagem e para a partilha de experiências, ao invés de meros locais para a transmissão passiva de conhecimentos, fazendo face à rápida evolução das necessidades do mercado. Para tal é imprescindível a mudança de mentalidade e práticas de todas as partes interessadas, principalmente de professores e estudantes. No final, o sucesso deste novo paradigma medir-se-á tanto pelo talento gerado como pelo talento não desperdiçado para enfrentar um mundo cada vez mais VUCA (volatile, uncertain, complex, ambiguous).
Em suma, o ensino superior em Portugal requer uma revisão profunda, que nasce da necessidade do ensino de massas, com quereres e capacidades variáveis, e de promover a ligação à sociedade. É imperativo reorganizar a rede de instituições e a oferta formativa de modo articulado e racionalizado, atendendo às necessidades atuais e futuras, independentemente de interesses políticos. O futuro passa incontornavelmente pela Educação, destacando-se o ensino da Ciência e da Engenharia pela sua importância no desenvolvimento económico e social do país.