O falhanço deste governo durante o surto epidémico de Covid-19
A 31 de Dezembro de 2019 a China reportou à OMS um conjunto uniforme de doentes com pneumonia de etiologia desconhecida em trabalhadores e frequentadores de um mercado de peixe, mariscos vivos e aves na cidade de Wuhan, província de Hubei, na China. A 7 de Janeiro de 2020 as autoridades chinesas identificaram um novo coronavírus (SARS-Cov-2) como agente causador de COVID-19. A sequenciação genómica do novo vírus foi partilhada a nível internacional.
Em Janeiro de 2020 os EUA decretaram a suspensão dos voos com proveniência da China, aconselharam os seus cidadãos a regressarem ao país e promoviam o seu repatriamento. Na primeira semana de Fevereiro a ministra da Agricultura de Portugal afirma que o surto de coronavírus “pode ter consequências bastante positivas para as exportações portuguesas do sector agroalimentar para os mercados asiáticos”.
A nível internacional foram recomendados procedimentos a ter para uma fase de contenção da epidemia pelas entidades de saúde pública dos diversos países partindo de uma abordagem clínica e de identificação de casos suspeitos, prováveis ou confirmados. Cada um destes grupos de pacientes deveria ter uma cadeia de procedimentos ajustada e dinâmica em função do grau de esclarecimento que se vai obtendo no estudo do paciente ou suspeito, e com a evolução da epidemia.
Na última semana de Fevereiro o Presidente Marcelo declara que “tudo está a ser feito para lidar com o coronavírus”, a ministra da Saúde confirma, a DGS declara não ser necessário o isolamento de pessoas vindas de zonas onde há epidemia de coronavírus, e as associações médicas portuguesas, Ordem dos Médicos e outras, alertam para o perigo da epidemia que virá a caminho de Portugal e sugerem que o país e os serviços de saúde não estão preparados para lidar com a situação. No dia 29 de Fevereiro a directora-geral da Saúde admite que Portugal possa vir a ter um milhão de infectados, passamos da bonança à tempestade, num ápice. O descontrolo é geral e total ao nível do governo e das autoridades que dele dependem, concretamente na DGS.
No dia 2 de Março surgem os primeiros dois casos de infectados por coronavírus em Portugal, no Porto, o primeiro-ministro António Costa foi em visita de solidariedade aos pacientes, o PR refugiou-se e não quis retirar o protagonismo ao governo, segundo declarou à comunicação social, mas que tinha muita vontade de visitar os doentes e que por sua vontade “já lá estava”…!
A Linha SNS 24 entra em ruptura e a ministra da Saúde pede à população que não use e sature a linha com dúvidas e perguntas. No dia 5 de Março o responsável pela Linha Saúde 24 foi demitido, e na hora da demissão escreveu um poema …
No dia 7 de Março, António Costa confirma que Portugal está preparado para o surto e o PR Marcelo entra em quarentena e exila-se voluntariamente na sua casa de Cascais.
O país vai assistindo entre o divertido e o preocupado a estes episódios rocambolescos que têm ampla difusão na comunicação social.
O país iniciou um novo PREC, Processo Rocambolesco Em Curso.
O primeiro-ministro António Costa admite fechar escolas e outros estabelecimentos, mas declara que vai ouvir em entidades e autoridades competentes. O Conselho Nacional de Saúde Pública desaconselha o fecho de escolas e estabelecimentos de ensino, bem como de outros lugares públicos. O dr Costa encerra as escolas…
A linha SNS 24 não atende uma grande parte das chamadas. É o país preparado a responder à crise, não se atende o telefone.
O PREC segue a toda a velocidade. O Presidente Marcelo afirma, quando aparece à janela, que lava a louça e a roupa, e cozinha. As autoridades estão a responder ao nível que se suspeitava. O PREC está confirmado, dentro de portas e à varanda. Há desinfectantes e materiais de proteção que são distribuídos por organismos públicos que já estão fora de prazo, alguns com anos de atraso. “Tudo está a ser feito”. Confirma-se. O país continua a laborar, ao ritmo habitual, e a divertir-se, a um ritmo mais elevado.
É provável que continuemos a ter poucos doentes infectados, quanto menos exames de diagnóstico se fizerem menos confirmações de doença por coronavírus. Foi uma crença, tal como a dança da chuva. Quanto menos testes se fizerem menos diagnósticos teremos, os doentes continuarão a crescer e a contagiar por aí. E assim foi sendo.
Hospitais diferenciados, oncológicos e outros, serviços de prestação de cuidados cuja desorganização e adiamento da sua capacidade e rotinas, suspenderam a actividade e tudo isto vai fazer descompensar gravemente todos os restantes doentes no território nacional, nada disto foi acautelado.
Como acomodar esta epidemia, aos casos de espera por cancro, por transplantes, de outras patologias graves e onde os serviços de saúde estão sempre no limite da sua capacidade de resposta? Que complicações pelos desequilíbrios destas e de outras patologias, se estão a desencadear…? Abruptamente e sem critério, foi tudo suspenso, cancelado, adiado sem se saber até quando.
As medidas de contenção e de contingência foram desenhadas e desenvolvidas de modo descoordenado, sem critério, e nem dentro das unidades de saúde se acautelou a difusão da doença e a sua propagação. Deste modo passaram a ser as principais vias de disseminação da epidemia, ou uma das mais relevantes. Este foi um enorme problema no início do surto, na sua fase de expansão, atendendo à característica de o período assintomático da infecção ser longo. Isto foi rapidamente corrigido pela capacidade das equipas de profissionais no terreno, apesar dos constrangimentos sentidos e existentes.
A hospitalização domiciliária, treino de equipas para resposta dedicada, medidas de proteção na família, nada foi salvaguardado.
A este propósito é caricato termos assistido a anúncios publicitados pela DGS, e declarações da ministra da Saúde, desaconselhando o uso de máscaras! Compreende-se, não havendo máscaras desaconselha-se o seu uso. De seguida instala-se a desconfiança, o descrédito das autoridades.
Nada, funcionou! Apenas o medo e a desconfiança foram ganhando terreno.
Nada estava preparado, e a capacidade de organização e de resposta foi quase nula, a nível governamental e de liderança no ministério da Saúde. Os serviços de saúde responderam e deram o seu melhor fruto da competência e dedicação dos seus profissionais.
O desinvestimento na saúde, a ineficiência do seu modelo de gestão, a falta de preocupação com as auditorias ao sistema, decidindo mesmo ao contrário do que algumas recomendavam, como foi o caso do Hospital de Braga.
A contínua recusa de integrar modelos de participação do sector social e privado em verdadeira competição na busca de melhores resultados e contenção de custos no desperdício da gestão pública, manifestam-se declaradamente e veremos as consequências que virão e já se adivinham, acentuando as que já estavam instaladas.
Que planos de emergência, e hierarquização a nível nacional…? Não existem, simplesmente! Como se requisitam? Ninguém sabe. Quem os requisita…?
Em suma, quando se esperava liderança e confiança tudo falhou. Nas crises o mais importante é a confiança! É a confiança nos profissionais e nas instituições de saúde, e da sociedade nos seus dirigentes e governantes que determinam o rumo e o modo como se navega e a direcção a tomar. Qual o porto de destino e para onde devemos caminhar.
O que se exigia:
- uma rápida identificação dos grupos de risco, com os profissionais de saúde a deverem ser devidamente protegidos pois seriam e serão os soldados desta guerra.
- identificação dos grupos de risco e fazer o seu confinamento rigoroso, lares, idosos, grandes aglomerados populacionais, doentes com patologias que estão mais vulneráveis. Nestes grupos o rastreio e diagnóstico precoce seria essencial. Se isto não for feito precocemente as consequências tardias serão bem piores e de maior dimensão. É ao que iremos assistir, e já o estamos a verificar.
- medidas de higiene e instrução da população, uso de máscaras e outras medidas de cuidado no relacionamento social de proximidade.
Fazer pouco, com consistência, com coerência, rapidamente alargado a toda a população, que deve ser informada de modo pragmático, com clareza e verdade, e em tempo real. Este “pouco” de modo coerente é o que poderá, ou poderia fazer a diferença!
O vírus não será erradicado, vai persistir, há que preparar, pois só pela imunização natural ou vacinação o nosso organismo lhe resiste.
A infeção irá prosseguir até um ponto de equilíbrio à volta de 60-70% da população infectada/imunizada, mundial ou localmente. É o habitual neste tipo de infeções e no seu curso natural.
Daí a importância de atrasar a transmissão do vírus, as infeções, promover o achatamento da curva epidémica, diminuindo o pico de concentração de casos e de procura dos cuidados de saúde, apesar de poder prolongar a duração da epidemia.
A verdadeira taxa de mortalidade na população do SARS cov-2, Coronavirus 19 ou da Covid 19, só se vai saber ou poder avaliar retrospectivamente.
Este vírus, tal como muitos outros semelhantes, têm dois mecanismos de contenção à sua propagação na população, a imunidade cruzada que uma parte da população tem quando uma infeção alastra e já existe quando se transita de um Inverno para o outro, e a segunda forma de travar é a vacinação, a qual desperta os mecanismos de defesa dos vacinados, permitindo que o agente patogénico continue a sua disseminação pela população mas não com o mesmo grau de patogenicidade, o organismo de cada um dos cidadão já consegue resistir, incorporar o vírus e coexistir.
Tal como os restantes este coronavírus veio para ficar. Há que preparar as diversas linhas de defesa e resistência.
A mortalidade por gripe sazonal, a que habitualmente nos visita no Inverno, é inferior a 0,1%. A de Covid-19 anda à volta de 2-3% nos doentes, em média e segundo as avaliações actuais, sendo que em certos grupos etários é inferior a 1% e em certos grupos de risco é superior a 10%. Estes valores de letalidade, de taxa de mortalidade específica da doença, não se vão alterar para os grupos ajustados em função da sua faixa etária e de co morbilidades, a alteração só vira a acontecer com o aparecimento de terapêuticas específicas. Este foi o alerta que fez despertar as autoridades de saúde e profissionais com os primeiros casos e o avolumar da experiência inicial, que se vem confirmando a nível mundial. A experiência que se vai acumulando, a grande capacidade de investigação e de inovação na área da saúde a nível global vão minorar e resolver o problema, mas vai demorar algum tempo, no entretanto há que agir.
O Coronavírus responsável pela SARS Cov-2, responsável pela síndrome respiratória aguda grave, severe acute respiratory syndrome coronavirus 2, ou Covid-19 de Coronavírus-ano 2019, é potencialmente letal e provoca lesões graves e desequilíbrios multiorgânicos severos.
A resposta imunológica à invasão bronco-pulmonar do vírus é violenta e muitas vezes exagerada e descontrolada, levando à falência do sistema respiratório/ventilatório o que requer numa percentagem significativa de casos a necessidade de apoio ventilatório mecânico, internamento em Unidades de Cuidados Intensivos, UCIs com ventiladores.
Os números de admissões nas UCIs estão sempre a aumentar nestes últimos dias, em Portugal aproxima-se de um número acumulado de perto do meio milhar, sendo que uma grande percentagem destes doentes está a requerer permanências prolongadas nestas unidades devido à severidade da doença.
As gripes pandémicas mais recentes, ocorridas em 1957 (vírus H5N2) e 1968 (vírus H3N2), tiveram mortalidades estimadas à volta de 1%, e a gripe H1N1 de 2009 causou uma mortalidade inferior a 0,02% dos infectados sintomáticos.
Uma questão crítica e de maior relevo para uma cabal capacidade de resposta do sistema de saúde prende-se com a concentração de casos graves num curto espaço de tempo, que poderão saturar e impedir uma resposta adequada e capaz dos serviços de saúde.
No surto gripal de 2017/18 em Portugal estimou-se que foram admitidos 220 pacientes em UCIs, Unidades de Cuidados Intensivos, com gripe confirmada, os quais aconteceram ao longo de 21 semanas. O que parece estar a acontecer neste surto de Covid 19 é uma maior concentração na necessidade de recurso a essas unidades. A impossibilidade de prestar estes cuidados pode fazer disparar a taxa de mortalidade, daqui um primeiro constrangimento, daí ser fundamental atrasar ou retardar a disseminação do vírus neste primeiro embate.
Já se perdeu uma janela de oportunidade para atalhar de modo mais eficaz este problema que se adivinhava.
A mortalidade destes doentes depende fundamentalmente da qualidade da assistência que possa ser prestada, de modo rápido e organizado. Sem assistência morrem, fazendo a mortalidade disparar para valores muito mais elevados, o que já é uma evidência. É fundamental retardar o avanço da epidemia, da disseminação do vírus numa população desprotegida.
Há ainda a salientar uma grande descoordenação funcional no sistema de saúde português, público/privado sem base comum de recolha de dados e informação, nem registos partilhados.
Também a nível mais geral e na componente da governação económica, o país ficou bloqueado. A economia está paralisada.
Há que desenvolver medidas selectivas de desbloqueio e de arranque da economia sob pena de o colapso económico e social ser catastrófico. Falências, desemprego, recessão, doenças e mortalidades a crescer, de seguida. É o cenário que vamos enfrentar. Para isto minorar estas consequências há que mobilizar o esforço de todos, convocar a sociedade para ajudar e laborar nas áreas críticas e deficitárias.
Tem que ser efectuada uma seriação da população, entre quem tem risco de ser infectado, estar infectado, debilitado, grupos que devem ter restrições e outros cuja circulação e movimentação, seguindo regras adequadas, deve ser promovida.
Os testes de diagnóstico são essenciais! A avaliação de risco é crítica, e desta ponderação colocar o país a funcionar de novo e rapidamente.
Máscaras e equipamentos adequados, para profissionais, grupos de risco, população em geral, são de importância vital, salvam vidas e reduzem complicações, e poupam dinheiro e recursos. Houve um deficit tremendo, há que agilizar e rentabilizar urgentemente.
Em resumo:
“Não há máscaras suficientes e, por isso, arranjou-se uma desculpa, dizendo que não são eficazes.”, presidente do Conselho das Escolas Médicas Portuguesas.
“Nesta guerra ninguém mente nem vai mentir a ninguém. Isto vos garante o Presidente da República.”, o próprio PR.
“Covid-19 não chegará a Portugal”, Directora Geral da Saúde.
No início do mês de Março o PR Marcelo mantinha o seu hábito de beijar e abraçar tudo e todos para as fotografias, televisões e selfies, de seguida e abruptamente entrou de quarentena auto-imposta, protegendo-se atrás das grades e das varandas, onde por vezes aparecia a acenar afirmando que …lavava a roupa e fazia a comida…
“O SNS está preparado e não faltou nem faltará nada no combate à epidemia”, primeiro-ministro António Costa.
Ordem dos Médicos alerta as autoridades e a tutela para o desinvestimento no SNS, para as fracas condições de trabalho e segurança, e para a escassez de meios no combate à epidemia. Há serviços em ruptura e sem equipamentos de proteção individual e com outras deficiências apontadas ao Ministério da Saúde.
Ordem dos Médicos Dentistas faz apelo ao Ministério da Saúde, e ao Governo, para a incapacidade de os médicos dentistas atenderem as situações urgentes por falta de equipamentos de proteção individual. Ordem dos Enfermeiros, igualmente.
A percentagem de profissionais de saúde doentes e internados vai aumentando progressiva e rapidamente, começa a haver mortos por Covid-19 nestes profissionais.
Os doentes têm alta sem confirmação de estarem curados, sem realizar os dois testes no intervalo de 24 horas com resultado negativo, não cumprindo a norma por incapacidade de resposta dos laboratórios, falta de material e reagentes, kits de diagnóstico. Assiste-se a listas de espera para realização de testes de diagnóstico com mais de uma semana, e vários dias para serem libertados os resultados.
No meio desta pandemia gerou-se o pandemónio.
Depois das mortes em resultado da Covid-19 assistiremos a um aumento da morbilidade e da mortalidade de diversas doenças que tiveram uma descontinuidade nos seus tratamentos, no acompanhamento, na realização de meios complementares de diagnóstico, nas cirurgias que foram adiadas, de consequências imprevisíveis, desastrosas, talvez catastróficas. Já há sinais de alerta neste aspecto!
Não houve uma resposta adequada no diagnóstico, no tratamento, nem na prevenção que não se orientou para os grupos de risco.
A economia paralisou pois não há critério de segmentar a população por grupos de risco e em função disso ir libertando a capacidade produtiva do país e de recuperação económica.
Não se vê uma estratégia alinhada que ponha o país rapidamente a funcionar e a retomar a actividade.
Sim, o estado de emergência deveria ter sido acionado mais rápida e eficazmente, mas ter uma determinação para seguir e pôr em marcha de modo expedito e eficiente tudo o que devia e era essencial. E, sobretudo, servir para “preparar o dia seguinte”.
Provavelmente não teria sido preciso se logo de início tivesse havido liderança, determinação, informação idónea e adequada transmitida à população, actuação rápida, pronta e eficaz.
Ainda estamos a meio da tormenta e a sensação é que estamos à deriva. Preparemo-nos para o pior, esperemos que consigamos superar este desastre de saúde pública, social, económico e político.