Uma Democracia saudável depende de um fluxo de informação saudável e fidedigno, de forma a que as decisões e tomadas de posição centrais ao funcionamento democrático sejam bem fundamentadas. O condicionamento da comunicação corresponde a um condicionamento da verdade. Um Governo que se desdiz com a veleidade que o fez o sr. ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, numa entrevista no passado fim de semana, sobre o fim das propinas, condiciona a Democracia.
Recorde-se que o ministro que em janeiro diz que não vale a pena reduzir as propinas é o ministro que propõe em novembro essa mesma medida e a vê aprovada, em dezembro, no Orçamento do Estado de 2019.
Um princípio fundamental da Democracia é o respeito pelos cidadãos, a par com o respeito pela verdade. Esta verdade pode ser ideológica e, como tal, sujeita a debate e escrutínio, em particular na Assembleia da República. Uma Democracia saudável depende de um fluxo de informação saudável e fidedigno, de forma a que as decisões e tomadas de posição centrais ao funcionamento democrático sejam bem fundamentadas. Este pacto democrático sofre quando a informação é omissa ou, pior, adulterada para servir alguma agenda. O condicionamento da comunicação corresponde a um condicionamento da verdade. Um Governo que se desdiz com a veleidade que o fez o sr. ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, numa entrevista no passado fim de semana, sobre o fim das propinas, condiciona a Democracia.
Este desrespeito pela verdade e pela Democracia são as marcas de uma época lamentável em que vivemos, cercados de “fake news”, em que a informação disponível tem de ser muito bem validada antes de poder ser tomada como verdadeira. Quando é o próprio Governo que está na base deste condicionamento da informação, é natural que a população reaja com o sentimento de que as instituições democráticas não são confiáveis. Quando isto acontece, é a própria Democracia que está em jogo.
Recuperemos, para efeitos de arquivo, as sucessivas declarações e o calendário das contradições do ministro Manuel Heitor:
- janeiro de 2016: o assunto “não tem qualquer intervenção do Governo porque a questão das propinas em Portugal está perfeitamente resolvida”
- fevereiro de 2016 quando questionado sobre esta matéria afirma que: “não podemos olhar para este assunto de uma forma demagógica. Hoje as propinas não são um elemento de exclusão do ensino superior…”
- OE2016 – proposto e aprovado o congelamento da propina para o ano letivo 2016/2017 com a promessa que o Estado pagaria às Universidades e Politécnicos o impacto do congelamento (valor das propinas mantém-se congelado até ao ano letivo atual com compensação Zero por parte do Governo)
- 27 de outubro 2018: “Eu prevejo que no futuro, nas próximas décadas, o ideal é termos um ensino superior livre, sobretudo nos níveis da formação inicial.”
- 7 de janeiro de 2018, na Convenção Nacional de Ensino Superior 2030, em declarações aos jornalistas: “A tendência normal é reduzir sempre no prazo de uma década os custos das famílias.” De seguida, à pergunta expressa: “Acabar as propinas em dez anos?” o ministro responde que “Esse deve ser um cenário favorável”. Além do ministro dois membros do Governo nessa manhã defenderam o fim das propinas. Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, classificou as propinas como “uma barreira à entrada” no Ensino Superior dizendo que “se não reduzirmos de forma drástica os custos com o Ensino Superior não vamos conseguir que os filhos de classe média consigam estudar no Ensino Superior“. Alexandra Leitão, secretária de Estado Adjunta e da Educação, disse que as propinas “são um problema” e que “os serviços públicos têm que ser tendencialmente gratuitos, como está na Constituição“.
- Entretanto em entrevista publicada no passado sábado (26 de janeiro) afirma o ministro, Manuel Heitor, “nunca ter defendido o fim das propinas” e que tal só será possível com o alargamento da escolaridade obrigatória aos 21 anos, e que acabar com as propinas “ é uma medida altamente populista”. O mesmo ministro, questionado sobre se “vale a pena” reduzir as propinas, responde que “Não“. Recorde-se que o ministro que em janeiro diz que não vale a pena reduzir as propinas é o ministro que propõe em novembro essa mesma medida e a vê aprovada, em dezembro, no Orçamento do Estado de 2019.
O PSD sempre foi consistente sobre o tema das propinas no Ensino Superior: são uma necessidade incontornável para assegurar a sustentabilidade e excelência desse sistema, havendo espaço e necessidade para se atuar na vertente de ação social, aumentando as verbas aí. Recorde-se que foi um Governo do PS, de António Guterres, que introduziu as propinas tal como as conhecemos hoje. O PSD, então liderado por Marcelo Rebelo de Sousa, viabilizou esta introdução com um acordo de regime que não era posto em causa desde 1997. Foi-o agora sem nenhuma razão objetiva. Ou então não foi, pelo menos pelo ministro, porque o que foi dito afinal não foi dito. Seja como for, o pacto está fragilizado, assim como a confiança neste Governo.
O Presidente da República terá hoje uma posição institucional diferente da que teve no passado, pela natureza do cargo que ocupa. Ademais, tornou claro que o que pretende seria um debate para definir um novo acordo de regime sobre a matéria das propinas, numa visão a longo prazo e sempre assegurando a sustentabilidade do sistema de ensino. Será este debate possível? É pouco provável, uma vez que é difícil perceber a real posição do Governo: um Governo sem palavra e a várias vozes. O que foi acordado hoje pode nunca ter sido dito amanhã, as soluções apresentadas agora poderão ser consideradas absurdas em breve pelos seus próprios proponentes.
Quem se alinha pelo que o que este Governo diz expõe-se a mudanças bruscas que os deixa sozinhos. Já vimos isto acontecer com as várias promessas de investimento nunca concretizadas nos mais diversos setores, com os Acordos de Legislatura sucessivamente por cumprir todos os anos, com as negociações de reposição do tempo de carreira com os professores, com um PREVPAP que ficou esquecido no Orçamento de 2019. As promessas surgem, sempre, para quem as quiser é à dúzia, mas nada acontece, nada é feito, e palavra dada é dada ao vento que a leva para um futuro incerto. É um Governo de ilusões que arrasta Portugal para o fundo, que vende castelos no ar. Um Governo que não tem pudor em, ele próprio, utilizar “fake news” para manipular e condicionar a opinião pública em ano de eleições. Haja vergonha. Que venha quem mantenha a palavra e faça, de uma vez por todas, que os Portugueses estão cansados de conversa.
Deputada do PSD