Sou Português e apaixonado por este país onde nasci e onde vivo há 44 anos. A opinião que aqui partilho vem da experiência que tenho adquirido enquanto cozinheiro e empresário em Portugal e no estrangeiro, enquanto participante em diferentes projetos e debates internacionais e enquanto cidadão atento à realidade do país e à realidade internacional.

Portugal tem uma série de vantagens competitivas, entre as quais a localização, o clima, a qualidade da gastronomia, a segurança e a qualidade de vida. Estas vantagens podem ser usadas de forma estratégica para potenciar a competitividade e o crescimento do país. Porém, neste momento, e à semelhança de outros países, Portugal depara-se com problemas estruturais em áreas fundamentais como saúde, educação, habitação, fiscalidade ou emigração, que põem em causa o desenvolvimento do país.

É urgente uma visão e uma estratégia de longo prazo, informada, ampla, flexível e sustentada que contemple estas áreas estruturais para preparar o futuro e nos tornarmos mais competitivos. É também urgente que se desenvolvam indústrias e serviços que tornem o país menos dependente do exterior. É urgente reter talento, é urgente captar investimentos e disputar cada vez melhor os mercados internacionais. Resiliência e flexibilidade são fundamentais. As empresas precisam ter a capacidade de planear e antecipar riscos e de ter recursos humanos e financeiros que lhes permitam reagir e repensar a sua estratégia num cenário imprevisto, incerto ou volátil.

Na nossa empresa temos feito um caminho constante de aprendizagem, crescimento, ajuste e readaptação. Neste percurso temos aprendido a importância de uma gestão estável, de ter informação e recursos de qualidade e de realizar investimentos que vão além do imediato. Temos descoberto também o valor da aposta no conhecimento, em recursos, na captação e retenção de talento e no crescimento pessoal. Temos visto na prática como é importante criar oportunidades, conseguir a adesão de cada pessoa da equipa a um objetivo comum, desenvolver um sentido de pertença e de comunidade e de estar disponível para arriscar, mudar, errar e aprender.

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Ao longo deste processo também temos ganho consciência de que a competitividade está dependente da localização dos negócios, da carga fiscal, do investimento público, do nível de rendimento local, da abertura da economia nacional ao exterior e do turismo. Porém, a relação com o turismo tem duas vias. Se, por um lado, a restauração está dependente da atividade turística, por outro tem também a capacidade de ser uma enorme promotora, angariadora e potenciadora do turismo.

A cozinha é um elemento importantíssimo da cultura e da identidade de um país e uma fonte imensa de interesse, partilha e prazer. Em Portugal, além de termos um património gastronómico único, rico e cheio de influências, temos uma imensa diversidade gastronómica a nível regional e o gosto e o saber acolher bem. Porém, ainda não se reconhece internamente à gastronomia e à restauração esta enorme capacidade de fortalecer o turismo, de atrair e de fidelizar visitantes, de dar a conhecer todo o país, de competir externamente com grandes destinos gastronómicos e de gerar riqueza em várias áreas da sociedade

Para sermos mais competitivos na área da restauração em Portugal, penso que, entre outras medidas, seria importante:

  • Ariar, desenvolver e implementar uma política de longo prazo que aposte no valor estratégico da restauração para o turismo e para o país;
  • Apoiar as empresas ligadas a este sector para que apostem no crescimento, na qualidade e na promoção externa;
  • Repensar as políticas fiscais para que as empresas tenham mais confiança e apoios e invistam mais no seu crescimento e na contratação, formação e retenção de talento;
  • Reformar as políticas fiscais para que o consumidor interno tenha mais rendimento disponível;
  • Estimular a produtividade e a qualidade de produção e serviços das empresas de restauração e de toda a cadeia de fornecedores;
  • Diminuir a burocracia e apoiar e incentivar a transição digital.

A mudança exige uma enorme capacidade de adaptação que muitas vezes é drástica e dolorosa. No entanto, se for bem conduzida e apoiada, também pode trazer novos cenários e oportunidades. A competitividade de Portugal é um tema crucial e urgente. É deste plano que depende a prosperidade do país. Cada um de nós é chamado a participar ativamente fazendo escolhas informadas, exercendo o direito de voto e exigindo resultados. Quem nos governa deve comprometer-se em servir o interesse comum e em criar uma visão de futuro que eleve o país.

José Avillez é cozinheiro, empresário e proprietário de vários restaurantes, nomeadamente o Belcanto, em Lisboa, que já lhe valeu duas estrelas Michelin. Apresentador de TV, é também autor de vários livros de gastronomia. É membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.