No final do primeiro quartel deste século, Portugal enfrenta grandes desafios de origem endógena e outros que são essencialmente globais.

De entre os desafios de origem endógena, o mais difícil será o nosso inverno demográfico e o envelhecimento da população. Outros desafios, de hoje como de sempre, relacionados com o território são a exiguidade do nosso território terrestre, a pobreza dos solos, a ausência de uma exploração económica sustentável do imenso mar português, e a distribuição desequilibrada da população entre interior e litoral, mas também entre o Norte, com maior concentração de população, e o Sul onde, com a exceção da área metropolitana de Lisboa, a população é muito reduzida.

A estes desafios somam-se outros de natureza política, com o sistema político democrático a necessitar imperiosamente de se aperfeiçoar, cinquenta anos decorridos do 25 de abril. Aperfeiçoamento do sistema eleitoral, do sistema político na sua representação parlamentar, e da definição de outras grandes reformas que exigem maturidade política para estabelecer pactos de regime, como a reforma do poder judicial, a reforma administrativa do Estado, onde, por exemplo, a evolução para a regionalização poderia ser equacionada para superação do Estado macrocéfalo e centralista.

E ainda se somam os desafios de natureza económica, sempre atuais, mas sempre atávicos também, e que se relacionam com a fraca produtividade e o baixo valor acrescentado da economia nacional no seu computo geral. Todos estes desafios de teor económico desembocam no desafio da competitividade da economia portuguesa. Trata-se de um desafio tão difícil de superar quanto os resultados desapontantes dos primeiros vinte anos deste século relativos à geração de riqueza e desenvolvimento económico o demonstram.

Mas Portugal não está sozinho no planeta e enfrenta também os grandes desafios globais. Os que nos são colocados pela necessidade de acompanhar a digitalização das sociedades mais evoluídas e o mergulho nas águas agitadas da inteligência artificial; os desafios que a nossa defesa e segurança colectivas enfrentam num mundo cada vez mais hostil, onde a guerra na Europa volta a ser uma ameaça muito grave, obrigando-nos a lançar mão a meios, recursos e estratégias militares que antes não antevíamos.

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Confrontamo-nos ainda com o crescimento acelerado de fações populistas no seio das democracias liberais. Um populismo internacional que ameaça a Europa e os Estados Unidos e que é já uma realidade em países como a Índia, por exemplo.

Todavia, o mais inexorável desafio a nível global que se coloca a Portugal é o desafio da profunda crise planetária a que chegámos. Uma crise climática que supera todas as demais e onde a descarbonização, que esperamos conseguir alcançar através da transição para uma economia verde, é a principal via para a combater. Uma crise de delapidação da biodiversidade, onde a restauração da natureza é essencial. E a crise do oceano, que requer para o seu combate a combinação de ambas as medidas – a descarbonização do mar e a restauração dos ecossistemas marinhos.

A todos estes desafios corresponde a necessidade de fazer apostas. Por exemplo, como a União Europeia decidiu fazer com o Pacto Ecológico de 2020, hoje infelizmente sob ameaça e a retroceder.

Sem poder a todas abordar aqui, focamo-nos nas apostas capitais da descarbonização e da restauração da natureza, que sendo determinantes para a sobrevivência da espécie humana na Terra, se vão tornar cada vez mais nos grandes desígnios do século XXI. Com efeito, ninguém pode duvidar que este século vai ficar conhecido como o século da descarbonização. Por esta razão, estas apostas — descarbonização/restauração — serão determinantes para o sucesso do país, não obstante o mutismo completo que sobre elas existiu na campanha eleitoral das últimas eleições legislativas.

A aposta no binómio descarbonização / restauração vai permitir transformar Portugal num país líder do novo paradigma mundial e não continuar a ser o país seguidista que foi nos séculos XIX e XX, onde estivemos sempre ora mais atrasados, ora mais endividados.

Esta aposta, que está manifestamente em curso em Portugal na componente da descarbonização, com o investimento nas energias renováveis e na mobilidade elétrica, continua a não existir no domínio da restauração da natureza, que é a via mais indicada para restaurar a delapidada base bioquímica que sustenta toda a vida do planeta e que é gerada exlusivamente a partir da natureza e da sua biodiversidade. Mas só uma aposta visionária no mar permitirá alcançar a plenitude de ambas as componentes do binómio referido. Se, ao invés de apostar na exploração industrial e extrativa do mar, apostar na sua proteção e restauração, incluindo através de grandes áreas marinhas protegidas, Portugal vai aumentar as biomassa e biodiversidade marinhas, com isso aumentando a capacidade do oceano de absorver carbono, e vai contribuir para enriquecer o seu capital natural, de que Portugal mais beneficia, e que é a base de um novo setor industrial de elevado valor acrescentado: a biotecnologia azul.

Tiago Pitta e Cunha, licenciado em direito, é especialista em assuntos do mar, tendo sido coordenador da Comissão Europeia para o desenvolvimento da Política Marítima Integrada da UE. Foi Conselheiro na Missão Permanente de Portugal nas Nações Unidas e vencedor do Prémio Pessoa em 2021. É diretor executivo da Fundação Oceano Azul e membro do Conselho Geral da Universidade de Lisboa. É membro do Clube dos 52, uma iniciativa no âmbito do décimo aniversário do Observador, na qual desafiamos 52 personalidades da sociedade portuguesa a refletir sobre o futuro de Portugal e o país que podemos ambicionar na próxima década.