Se fazer algo replicável geralmente não é boa estratégia, nem política, nem empresarial, nem familiar, como fazer algo de diferente, ou inovador, que possa ter sucesso? Uma crónica japonesa antiga sobre um empresário de sucesso, Kinokuniya Bunzaemon 紀伊国屋文左衛門 (1669—1734), dá-nos uma pista:

“Sucedeu que, desde o início da Décima Lua [meados de Novembro, em 1686], um vento forte soprava de oeste com constância incomum. Como consequência, a navegação no porto de Kumano, o mais próspero de toda a península de Kii, tinha parado completamente, não se atrevendo nem pequenos pescadores nem opulentos mercadores a apontar a proa de seus barcos e navios para o largo. Era então a altura da apanha das laranjas que começavam a acumular-se nas lojas e armazéns dos mercadores da cidade. As laranjas de Kii, famosas em todo o Império, eram vendidas em todas as grandes metrópoles, mas o seu principal mercado era a Cidade Xogunal. De Edo chegavam todos os dias mensageiros ofegantes, enviados pelas corporações de merceeiros e associações de moradores da grande cidade, instando o seu envio urgente. Lá, o seu preço já era dez vezes o habitual para a época, e à medida que se aproximava o Festival dos Foles, quando as laranjas deixam de ser um luxo para se tornarem numa necessidade, mais premente se fazia sentir a sua falta. Para mais, nesse ano, a temperatura estava invulgarmente cálida o que levava a que, para grande desespero de todos os comerciantes de Kumano, os frutos rapidamente se tornassem moles primeiro, e cobertos de bolor pouco depois. Para eles era como se o seu ouro estivesse a apodrecer.

“Sob um céu obscurecido, marinheiros e comerciantes deslocavam-se todos os dias, várias vezes ao dia, ao porto. Iam na esperança de notar algum sinal, por pequeno que fosse, de acalmia nos elementos. No entanto, todos os dias o mar tornava-se mais bravio e o vento mais rijo e a abóbada celeste mais escura. Não era possível fazerem-se ao mar e só lhes restava pasmar e resmungar e queixarem-se enquanto as nuvens pretas e espessas e ameaçadoras rasavam sobre as suas cabeças.

“Também Bunzaemon ia todos os dias à praia e observava o mar verde-escuro e o céu preto sujo, como todos faziam, mas apenas nele se podia notar na uma certa expressão de reprimida alegria na face. Enquanto os outros diziam: ‘Espero que esta tempestade passe breve.’

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“Ele replicava: ‘Espero que nada de semelhante aconteça.’

“Os que estavam próximo surpreendiam-se e perguntavam: ‘E porquê? Que se passa?’

“Encolhendo os ombros e rindo com os olhos ele respondia: ‘Quem sabe o que pode acontecer?’

“Enquanto estava assim entretido em conversa casual, Bunzaemon notou que Kichidayu, um velho marinheiro que lhe devia a vida, tinha vindo também avaliar o mar. Chamando-o à parte perguntou-lhe: ‘Quando supondes que este vento amainará, honorável Kichidayu?’

“Respondeu o outro: ‘Desejaria que acalmasse brevemente, mas temo que tal não venha a acontecer tão cedo.’

“Disse-lhe o Bunzaemon: ‘Se este vento se mantiver, será para minha grande fortuna. Ficaria muito desapontado se abrandasse já dentro de dois ou três dias.’

“A isto o mareante confirmou: ‘Estais então com sorte porque não me parece que haja grande possibilidade de ele abater tão depressa.’

“Replicou-lhe o Bunzaemon: ‘Subarashī! Que me diríeis a içar a vela num navio antes deste vento arriar? Seria uma vela fantástica até Edo, não é verdade?’

“Cheio de espanto Kichidayu olhou para ele e disse: ‘Não brinqueis com coisas sérias. Em menos de nada qualquer navio seria revirado nestas ondas e neste vento.’

“Observou-lhe então Bunzaemon: ‘É precisamente isso que torna esta situação interessante. Não gostaria o honorável Kichidayu tentá-lo ao menos uma vez?’

“O outro riu-se e respondeu repetindo-se: ‘Não é bom brincar com coisas sérias.’

“Bunzaemon tomou um semblante sério e disse: ‘Não estou a brincar, honorável Kichidayu! Se fosse um vento de norte evidentemente que não seria possível, mas sendo um vento de oeste, é um vento favorável até Edo, e não importando quão forte ele possa ser, não há razão para que com ele não consigamos chegar à grande cidade.’

“Kichidayu pensando que Bunzaemon estava a dizer algo de bem estranho observou: ‘Se tivermos boa sorte não digo que seja impossível. No entanto afirmo que é apenas uma questão de boa sorte.’

“Replicou Bunzaemon: ‘É precisamente isso que torna esta situação interessante. Qualquer um consegue ir onde os outros também vão. Mas extraordinário é o homem que consegue ir quando os outros não conseguem ir. Chegou agora a altura, honorável Kichidayu, de eu fazer fortuna porque o preço das laranjas em Edo é já dez vezes superior ao usual devido à sua escassez lá. Aqui, onde as laranjas se acumulam porque já ninguém as quer comprar, o preço caiu para um décimo do habitual. Conseguir comprar por um décimo do habitual e vender por dez vezes o usual é semelhante a poder trocar um ryō por cem ryō. Uma oportunidade destas provavelmente não ocorre duas vezes durante uma vida. Será que a vamos deixar fugir?’”

Com bom tempo, qualquer um se faz ao mar. Mas o extraordinário é alguém tentar fazê-lo durante uma tempestade. Fazer algo que sempre se fez, mas em circunstâncias em que ninguém o faz, isso também é inovação. Quem, assumindo riscos como Bunzaemon, atua quando todos os outros continuam nas suas rotinas ou ficam parados devido a temores, hábitos e costumes ou bloqueios mentais, mais do que por qualquer impossibilidade real, esse é um verdadeiro inovador, e frequentemente ganha o favor da Fortuna. Na política, nos negócios e no amor…

E para além de se habilitar a ganhar uma fortuna, o inovador exerce uma importante função social ao desbloquear estados de ineficiência e ao facilitar a vida das pessoas. Neste caso levar às populações algo que elas querem e estão dispostas a pagar, ao mesmo tempo que livra comerciantes de stocks que eles já não querem mas não são capazes de vender.

Mas também despertará invejas e moralismos de velhos do Restelo e outros neomarxistas. Um bloquista, por exemplo, não verá na resposta de Bunzaemon mais que uma descarada e condenável confissão de ganância capitalista (cem por um!), só possível num quadro de vazio regulatório e fiscalizador, e não apreciará a função social de alguém arriscar fazenda e pele para tentar satisfazer necessidades prementes de comerciantes em Kumano e consumidores em Edo. Mas quem disse que marxistas percebem o que é uma sociedade humana? Ou que querem ajudar pessoas? Especialmente pessoas reais nas suas necessidades concretas?