Os turistas que percorrem, em férias e sem pressa, a Nacional 2 ligando Chaves a Faro regressam a um tempo já distante: as vias estreitas, as curvas incontáveis, a travessia das localidades.
No país das autoestradas financiadas pela União Europeia, com resultados fabulosos como a rapidez com que se liga o Algarve a Lisboa ou a obra admirável que foi o túnel do Marão, há, porém, ligações que ficaram estranhamente esquecidas. Talvez a mais chocante seja o percurso de Coimbra a Viseu. Quem percorra este trajecto pela primeira vez é surpreendido não só pela lentidão da circulação, tantas vezes em faixa única, mas sobretudo pela perigosidade que advém da própria estrada. Ora a faixa alarga, ora aperta, curvas que alteram o ângulo sem aviso prévio, blocos de cimento colocados nas bermas, inclementes ao menor desvio, asfalto remendado e muito dele em mau estado e pintura do piso ora inexistente, ora gasta e confusa. O perigo agrava-se à noite e piora com a chuva. Como a estrada é uma fonte de perigo, foram instalados radares de velocidade para multar os automobilistas.
Não carece de grande explicação para relevar como é essencial para o país uma boa ligação rodoviária entre Viseu e Coimbra. Desde logo a importância industrial da Região Centro, a ligação ao porto da Figueira, aos hospitais e à Universidade em Coimbra, ou a ligação à Europa a partir do eixo de Viseu para leste.
É o próprio Estado que o classifica no plano rodoviário nacional como um eixo da “rede nacional fundamental” e a União Europeia integra aquela estrada na rede europeia com a designação E 801. Trata-se de um troço de estrada com uso muito intenso. Um estudo de ruído elaborado para a Infraestruturas de Portugal sobre o troço que atravessa Mortágua calculou um tráfego de 3 milhões de viaturas por ano, um valor muito superior ao de mais de uma dezena de autoestradas já em funcionamento. Tal volume, tantas vezes em fila contínua e com os perigos acima indicados, já levaram mais de três dezenas de vidas em centenas de acidentes, de que uma breve pesquisa na internet revela inúmeras reportagens. “É preciso colocar as questões de segurança rodoviária na ordem do dia”, afirmava o comandante dos Bombeiros Voluntário de Penacova, António Simões, ao DN. Infelizmente, a IP3 não abre telejornais.
Pergunta-se então: porque é que a IP3 não foi ainda convertida em autoestrada, com faixas separadas e todas as demais regras que permitem um trânsito seguro e fluido?
Um bom ponto de comparação é a ligação de Aveiro a Viseu, feita durante décadas pela N16, uma estrada sinuosa, sempre congestionada e que atravessava o centro de todas as localidades. Foi substituída pela IP5 na década de 80 do século XX. Menos de quatro décadas depois, viu-se substituída pela autoestrada A25, cujo primeiro troço foi inaugurado em 2003 e o final em 2006 por José Sócrates, à data Primeiro-Ministro.
A IP3 não teve tal sorte. Incluída no mesmo plano rodoviário de 1985 que a IP5, só foi concluída em 2010 (ligação à fronteira). Desde então, no troço Coimbra Viseu tem sido investidos milhões em todo o tipo de reparações que não resolvem o problema de fundo.
Diga-se em abono da verdade que, além de sinistralidade, outra coisa que não falta na IP3 são promessas. O Público noticiava em Maio de 2005 que “O estudo de viabilidade da futura autoestrada Viseu-Coimbra, da responsabilidade da empresa Estradas de Portugal (EP), apresenta três alternativas”. Calculo que tenham sido estudadas e debatidas mas em nada resultou. Em Março de 2008, José Sócrates anunciava “o lançamento da Concessão Auto-Estradas do Centro, que inclui a autoestrada entre Viseu e Coimbra”(JN). Aproveitando a ocasião, Mário Lino, então ministro das Obras Públicas, complementou o anúncio: “estarão totalmente construídas em 2011. As obras previstas são a substituição do IP3 pela nova autoestrada, numa extensão de 68 quilómetros”.
O então Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Centro (CCDRC), Pedro Saraiva, declarou à Centro TV, em 2014, “acreditar que a ligação por autoestrada entre Viseu e Coimbra será uma das prioridades para o investimento em obras públicas até 2020”.
Em agosto de 2015, o Económico anunciava que a autoestrada iria entrar em discussão pública. Bem vistas as coisas, é nesta fase que estamos em 2023: discussão. Obra não há mas sabemos que vamos pagar – em agosto de 2015 o Diário Económico assegurava que o novo IP3 teria portagens durante 30 anos.
Como se tudo isto não fosse já penoso, em 2015 atingiu-se o patamar do ridículo: “Esta será uma estrada inteligente que passará a ter um sistema de WiFi e tecnologia 5G”, declarou o Ministro da Infraestruturas, Pedro Marques.
O que choca, não é apenas o incumprimento das promessas, mas também uma alteração de fundo. É que, onde se começou por prometer uma autoestrada em substituição à IP3 no troço Coimbra Viseu, hoje promete-se o investimento em obras de “melhoria” do traçado atual. Não vai haver nova autoestrada.
O estado atual desta via não é apenas um desastre para a economia e uma ferida tremenda nas famílias que já destroçou. É também o testemunho vivo de uma democracia sempre cheia de retórica sobre o desenvolvimento do interior, mas incapaz de honrar vinte anos de promessas. Celebram-se agora 15 anos desde que a concessão da obra foi anunciada pelo primeiro ministro. Não estará na altura de a IP3 abrir telejornais?
Nota editorial: Os pontos de vista expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.