O recente anúncio de que o Ministério da Agricultura iria extinguir as Direções Regionais de Agricultura (DRAP), passando as equipas e balcões para a tutela das CCDR’s foi unanimemente mal recebido pelas associações e confederações agrícolas, rejeição esta ainda agravada pelo facto de o anúncio ter sido feito pela ministra da coesão, Ana Abrunhosa, e não pela Ministra da tutela, Maria do Céu Antunes.

O Ministério da Agricultura tem, no continente, cinco direções regionais (Norte, Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve), as quais dispõem de centenas de postos de atendimento, estações experimentais, centros de formação e outros equipamentos de serviço aos agricultores.

Produto do 25 de Abril, as DRAPS foram criadas em 1977 pelo então Ministro António Barreto, no Governo de Mário Soares, e traduziam a necessidade de o Ministério ter centros de conhecimento regionais que percebam as especificidades de um país que é muito diverso e que respondam a estas com serviços específicos.

Pensar as DRAP’s 45 anos depois implica, é claro, uma visão que tem de ser reformadora. As candidaturas a apoios já não se fazem numa infindável montanha de papéis mas, cada vez mais, via internet, diretamente pelos produtores ou através de associações e cooperativas que fazem muito bem esta “ponte tecnológica”. Por outro lado, é evidente que muitos investimentos foram ultrapassados por novos contextos – alguns nunca foram, sequer, bem concebidos –, dando lugar a centros de formação vazios ou centros de investigação sub-financiados, entre os exemplos.

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Porém, achar que isto as condena “é deitar o bebé fora com a água do banho”, como diz o ditado popular. De cada vez que um telejornal menciona seca ou geada, a primeira coisa que o gabinete do/a Ministro faz é ligar para a DRAP mais próxima e pedir um relatório. A vocação das DRAP no século XXI é precisamente esta: servirem de centro de conhecimento das especificidades regionais, suscitarem a definição de políticas regionais e fazerem a ponte política entre a região e a administração central. Somos um país diverso, onde o sudeste procura água e o noroeste investe em drenagem. É apenas um exemplo.

Apesar de nomeados pelo Governo no âmbito de processos concursais, os/as Diretores Regionais são, em geral, tidos pelos produtores como embaixadores das respetivas regiões: são eles que, dentro da administração, fazem chegar as necessidades regionais aos gabinetes centrais.

Constata-se, portanto, de forma evidente que as DRAP não são gabinetes para receber papéis. Se o fossem, até pelos CTT poderiam ser substituídas.

Falando com um amigo, que tem responsabilidades na definição da política agrícola do país, foi aduzido um argumento em favor: devemos apoiar esta medida porque é um passo em favor da regionalização, reforçando as CCDR’s.

Ora, importa referir a evidência: cabe ao Ministério da Agricultura estruturar-se para responder eficazmente às necessidades dos produtores e cumprir as suas missões estatutárias. Não lhe compete ser ponta de lança de uma regionalização encapotada, tanto mais que há um imperativo constitucional de referendo. É manifesto que não cabe à agricultura andar a testar regionalizações.

Para perceber esta medida, temos de ir mais fundo. Em Julho de 2022, o Ministério adjudicou, por intermédio do IFAP, um contrato de prestação de serviços com uma consultora privada no valor de 3,2M€. Sublinho, para que não fique dúvida, que se trata de um processo inteiramente legal e transparente. O que se prevê no contrato é uma completa reengenharia informática e organizacional do Ministério com dois eixos de relevo, “portal único” e “reorganiza”. A leitura do contrato e suas especificações permite perceber bem a dispensa das DRAP’s. A visão do Ministério é a de que este deve ser composto por um conjunto de serviços centrais, com funcionamento altamente informatizado, que se relacionam com o país por via informática e que se relacionam com Bruxelas por via orgânica. A esta luz, lido o contrato, percebe-se bem que haja quem ache as DRAP’s dispensáveis.

Portanto, ao contrário do que argumentava aquele meu amigo, o que está em causa não é uma regionalização, mas sim uma centralização. As “pobres” CCDR’s vão receber estruturas sem poderes. Um dia descobrirão.

Dirigi uma associação regional mais de duas décadas e tive a oportunidade de trabalhar com vários Ministros, com os mais diversos perfis. Capoulas Santos e Arlindo Cunha, ambos com um conhecimento profundíssimo da agricultura nacional e da política europeia, Assunção Cristas e Maria do Céu Antunes com um perfil mais político, apoiadas sempre em secretários de estado tecnicamente muito robustos como são Rui Martinho ou era José Diogo Albuquerque.

São estilos muito diferentes, mas não acredito que algum destes quisesse ver-se associado ao completo desarmar do Ministério da Agricultura num caminho que levará a que se pergunte por que é que este não passa a ser uma Secretaria de Estado dentro da Economia ou, pior, do Ambiente.

Este processo de extinção das DRAP’s tem tudo a ganhar em ser submetido a um debate sereno, à luz de um documento estratégico do Ministério, no qual se caracterize a sua missão futura e se procure definir qual a estrutura que melhor o pode servir , indo muito mais além do que foi o “Agenda de Inovação para a Agricultura 20|30. Sejamos mais ambiciosos, construindo um Ministério que se enriqueça com todos os contributos, em última análise, que seja mais inclusivo para que todos os atores o possam chamar com propriedade o “nosso” ministério.

Nota editorial: Os pontos de vistas expressos pelos autores dos artigos publicados nesta coluna poderão não ser subscritos na íntegra pela totalidade dos membros da Oficina da Liberdade e não reflectem necessariamente uma posição da Oficina da Liberdade sobre os temas tratados. Apesar de terem uma maneira comum de ver o Estado, que querem pequeno, e o mundo, que querem livre, os membros da Oficina da Liberdade e os seus autores convidados nem sempre concordam, porém, na melhor forma de lá chegar.