É hoje difícil defender o livre comércio sem ser logo acusado de globalista, neoliberal. Ora se há assunto que não é de todo “neo” é precisamente este. É, aliás, um dos assuntos mais fascinantes da economia, não só por ser um dos mais debatidos, como também um dos que gera mais consensos cíclicos a favor e contra. Parece haver um ciclo de marés em torno do assunto com fases em que o Mundo se torna amplamente favorável ao livre comércio e fases em que o Mundo se torna defensor do protecionismo.
Das vagas mais entusiastas do consenso a favor ficaram os múltiplos acordos de livre comércio assinados nas últimas décadas. Tantos que a OMC visa harmonizá-los e globalizá-los, e esse será o ponto mais alto da maré cheia a favor do livre comércio.
Porém, estamos agora a entrar numa maré vaza, ou seja, numa altura de crescente oposição ao livre comércio. Exemplo disso são as variantes do discurso vencedor do Brexit, com muitos britânicos a convencerem-se de que o Reino Unido precisa mais de se proteger do que de se abrir ao comércio através da União Europeia.
Mais interessante é o discurso anti-comércio livre nas eleições presidenciais norte-americanas: os media acham natural o argumentário anti-comércio de Trump, apesar desse discurso ser incoerente com a tradição dos Republicanos e muito mais alinhado com o discurso protecionista dos sindicatos que apoiam os Democratas. É claríssimo que essa é uma estratégia de Trump para a aproximação ao eleitorado de esquerda e que está a resultar em muitos estados mais operários.
Mais ambígua é a reação anti-comércio de Hillary Clinton que, enquanto Secretária de Estado, foi responsável pela persecução da política externa de Obama. O ainda Presidente é um grande promotor de acordos de livre comércio, incluindo o famoso TTIP com a União Europeia. Hillary toma uma posição típica dos candidatos democratas de ser menos entusiasta do livre comércio durante as campanhas eleitorais. O problema é que a evolução da candidata nesta matéria tem ido além do habitual e será difícil a uma Administração Hillary voltar atrás.
No lado europeu, o discurso político anti-comércio livre ganha força com as iniciativas contra o TTIP, a mais mediática das quais é a da Greenpeace. As esquerdas neo-marxistas (aqui sim “neo”, porque Marx via vantagens no livre comércio) abraçam esta causa, mais por rebeldia anti-capitalista, que por convicção substantiva e juntam-se, com desconforto notório, ao discurso ultranacionalista e protecionista da extrema-direita.
E em Portugal? O nosso País montou a sua glória assente no comércio, o que lhe outorga uma autoridade histórica muito interessante nesse contexto. Existe precisamente agora uma oportunidade dessa autoridade em se mostrar de novo útil, uma vez que Portugal tem tudo para se tornar o principal broker do acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul, bloco de países da América do Sul, que inclui o Brasil, a Argentina, o Paraguai, o Uruguai e a Venezuela, esta última sem plenitude de adesão. Um acordo de livre comércio com um bloco de países que inclua o Brasil seria, para a economia portuguesa, uma oportunidade enorme de crescimento das exportações e o golpe de asa que há duas décadas procuramos.
Seria ainda uma oportunidade soberana para o papel de Portugal na UE, enquanto protagonista central do relacionamento com a América do Sul, pelas ligações históricas e pelas comunidades emigradas nesses países. Por último, o relevo que Portugal assumiria no sentido contrário, tornando-se a principal porta de entrada para a Europa para este bloco de países.
No geral, apesar da maré vaza, existe neste acordo uma oportunidade para a Europa e para Portugal virarem a página, mostrando ao Mundo que é o livre comércio que cria o verdadeiro desenvolvimento que perdura no tempo. Foi assim nos tempos quinhentistas, foi assim na industrialização, foi assim no pós-Guerra e tem de voltar a ser assim depressa.
Diretor Adjunto para as Relações Internacionais, Católica Lisbon School of Business and Economics