As ramificações económicas do referendo vão ser grandes e complicadas, para o Reino Unido e para a Europa. Mas as ramificações económicas podem ser ultrapassadas. Tudo na economia é cíclico. Vai demorar um tempo, mas passará.

Pior, muito pior, foi o modo como este voto danificou o espírito da nação, e neste caso não sei se vai passar. Ao longo destas semanas de campanha, uma coisa se destacou, e embora possa parecer pouco importante para muita gente, tem para mim uma importância singular. O país rasgou-se em dois campos. O campo daqueles que têm sentido de humor e o campo daqueles que não têm. Os apoiantes do Remain foram engraçados, tiveram piada, e detalhe importante, mostraram empatia. Podiam dizer piadolas. Mas também aceitavam piadolas. Na campanha do Leave, porém, nunca vi uma única peça de propaganda com piada, graça ou simpatia. Não havia nada daquele lado a não ser veneno, ódio, estupidez, racismo, medo e intolerância.

Ontem, quando toda a gente inundou os media com as últimas proclamações e os últimos apelos, essa diferença pareceu-me assustadoramente evidente. A retórica do Leave podia ser simplificada como “queremos o nosso país de volta, e estamos muito zangados”, e para muitos deles isso queria dizer “queremos o nosso país de volta, só para nós, sem estrangeiros, sem gente castanha, e estamos furiosos com quem não é ou pensa como nós”. O que a campanha e os eleitores do Leave não perceberam foi que a grandeza da Grã-Bretanha não tem nada a ver com o facto de ser um país “branco”. A cor da pele é um mero acidente da história. E agora, porque não viram as coisas como elas de facto são, porque não aprenderam história, é tarde demais. Gente de mente pequena, ignorantes de tanta coisa, mudaram a história.

Quando coisas más lhes acontecem, os britânicos conseguem, melhor do que quem quer que seja no mundo, mostrar perseverança e frieza – o que chamamos o “espírito do Blitz”, que nos alimentou quando ficámos sozinhos na Europa a resistir a Hitler em 1940-1941. Mas quando os britânicos se viram contra eles próprios, é outra história, e é capaz de ser muito feio. Ando a dizer aos meus amigos há vários dias que se Remain ganhasse por poucos, haveria sarilhos. A violência de opinião no campo do Leave tem sido tão notória, que receei uma tradução física dessa violência nas ruas, se perdessem à justa. Um vez que o Leave ganhou, talvez isso não aconteça, mas vamos ver.

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Dêem-me uma ilha caótica, problemática, cheia de gente de todas as cores e crenças, e com um sentido colectivo de humor e humildade, em vez de uma nação governada e regulada por homens brancos, suados e cheios de medo. Esses homens mataram o “espírito do Blitz”. Little England matou Great Britain, e o meu coração está partido.

(Traduzido do original inglês)

I am heartbroken

The economic ramifications will be massive, for the UK and for Europe. Economic ramifications, though, are all surpassable, all cyclical. It will pass. It’ll take time, but it will pass.

This vote has seriously damaged the spirit of the nation, though, and who knows if that will pass. Over the last few weeks, one thing has been very noticeable, and as flippant as it might seem, to me it is of singular importance. The country has been split into two camps. The ones with a sense of humour and the ones without. The Remain campaign supporters have been funny, witty and importantly, empathetic. They could make a joke, they could take a joke. I never saw one piece of Leave propaganda or support that was funny. Or good humoured. Or kind. Nothing but vitriol, hatred, stupidity, racism, fear and intolerance.

Yesterday, as everyone flooded the media with their final proclamations and pleas, this was startlingly distilled. The utterly horrible rhetoric of the Leave campaign can be simplified to “we want our country back, angrily”, and to very many that meant “we want our country back for ourselves, and no foreigners, no brown people, angrily”. What the Leave campaign and voters don’t understand is that Britain’s greatness had nothing to do with the fact that it was white. The whiteness was a mere accident of history. And now, because they can’t see the bigger picture, because they don’t learn from history, it’s too late. Small minded, ill-informed people have changed history.

When something bad happens to them, the British do blitz spirit better than anyone in the world, but when the British turn against each other, that’s a different story, and it isn’t pretty. I’ve been telling people for days that if Remain won with a very tight margin that there would be trouble. The violence in opinion shown by the Leave campaign has been so strong, that I feared that it would leak out onto the streets into actual violence. Now that they have won, I predict less of that kind of trouble, but I’m not holding my breath. Let us see how the weekend pans out, shall we?

Give me a chaotic, problematic island filled with people of every colour and every creed with a collective sense of humour and humility over a nation fuelled and ruled by sweaty, fearful white men, any day. They have killed the blitz spirit. Little England has killed Great Britain, and I am heartbroken.

Lucy Pepper é colunista do Observador