Volto novamente à incompreensível escolha do Governo da AD e do ministro Pinto Luz de usar a bitola ibérica nas linhas do Porto a Lisboa e de Lisboa a Madrid. Ouvi recentemente com espanto o ministro das Finanças dizer no programa “Negócios da Semana” que o governo não teria alterado a decisão anterior do PS por razões de defesa da estabilidade política. Ou seja, o ministro Pinto luz não estudou a importância da bitola europeia para o comércio externo nacional e as vantagens decorrentes para o conjunto da economia nacional e europeia, como não levou em conta as decisões da União Europeia de apoiar a construção do Corredor Atlântico, com financiamento europeu a fundo perdido pelo programa CEF-T 2021-2027, até 70% do seu custo (40% do Quadro Geral +30% do Fundo de Coesão).

A vizinha Espanha já construiu uma rede de Alta Velocidade em bitola europeia de quase 4.000 Km com financiamento europeu do Quadro Geral de apenas 40%, já que não é beneficiária dos Fundos de Coesão como Portugal. Por isso, qual a razão para o novo governo da AD decidir usar parcerias público/privadas a pagar pelos contribuintes portugueses ao longo de 25/30 anos e com os juros correspondentes? Voltámos ao tempo das autoestradas de José Sócrates?

Esta decisão do governo da AD e do ministro Pinto Luz é tanto mais incompreensível quando qualquer criança compreende que Portugal sem a bitola europeia passa a ser uma ilha ferroviária sem ligação à Europa para passageiros e mercadorias, o que torna as exportações portuguesas e os portugueses dependentes das plataformas logísticas de Espanha, que é onde residem os maiores concorrentes das nossas empresas do sector exportador. Para mais, sabendo-se que existem acordos para a construção do chamado Corredor Atlântico entre os dois governos para as ligações entre os dois países serem em bitola europeia, acordos realizados na Figueira da Foz entre o governo português do PSD de Durão Barroso e o governo espanhol de Aznar. Também pela razão simples de que foi Bruxelas que criou em 2013 os 9 corredores que constituem a Rede Principal (core) da União Europeia. Desses corredores o Corredor Atlântico foi desenhado compreendendo o ramo do Atlântico Sul que deve ligar Lisboa Évora-Caia, o Ramo Litoral que ligará Sines- Lisboa-Coimbra- Aveiro-Porto e Leixões. Finalmente, o ramo mais importante para a indústria portuguesa, que será o Internacional Norte que ligará Aveiro- Mangualde-Almeida e Salamanca.

Neste contexto, como pode o ministro Pinto Luz explicar que Portugal seja o único país da União Europeia que fica de fora deste grande programa ferroviário da União Europeia? Ou como justifica usar as parcerias público privadas na linha do Porto a Lisboa e de Lisboa a Madrid quando tem à sua disposição os fundos europeus para o efeito? Ou como justifica a sua explicação de que o uso da bitola ibérica resulta de o governo de Espanha não fazer as ligações a Portugal na bitola europeia?  Ou, finalmente, como justifica que num programa ferroviário criado pela União Europeia, o governo português aceite docilmente que a Espanha possa impedir que as exportações portuguesas cheguem ao centro da Europa por ferrovia?

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Mas não só, como pode o ministro Pinto Luz desconhecer que já existem comboios espanhóis a circular em França e comboios franceses a circular entre a França e Madrid? Ou como pode o ministro desconhecer que o transporte aéreo mais caro e mais poluente está a ser substituído em toda a Europa pela ferrovia de alta velocidade para distâncias até cerca de mil quilómetros? Como pode um erro de tal dimensão e consequências para a economia portuguesa, ser assumido apenas por razões de estabilidade e sem um debate público sério, digno e esclarecedor? De que estabilidade estamos a falar? Ou qual a razão de não haver quaisquer verdadeiros contactos conhecidos entre os governos de Portugal e de Espanha para a construção do corredor Atlântico planeado pela União Europeia e acordado antes entre os dois países?

Falemos a sério, quais são os interesses em jogo na decisão de entregar ao consórcio dirigido pela Mota Engil a construção da primeira fase da ligação do Porto a Lisboa através de uma parceria público privada, quando a União Europeia paga 70% dos custos a fundo perdido? Ou qual a razão do ministro das Finanças aparentar não compreender o que está em causa numa decisão não apenas estranha, mas incompreensível?

Mas a estranheza não se fica por aqui, trata-se de uma decisão esperada da parte de um partido economicamente protecionista como o PS, que acordou com o PCP a nacionalização da TAP e a proteção da CP através da manutenção da bitola ibérica, afim de permitir a criação da geringonça, mas que não deverá ser a decisão de um partido que advoga o comércio livre e a livre concorrência como o PSD, para mais sem uma qualquer explicação para além da estranha coincidência dos dois partidos estarem de acordo num erro de tamanha dimensão. Recordo, que no caso do aeroporto de Lisboa os dois partidos decidiram entregar a decisão a uma comissão técnica independente, mas fica por saber a razão do mesmo procedimento não acontecer na ferrovia. Quais são, no País dos interesses mais estranhos, os interesses que ambos os partidos estão a defender à custa do interesse nacional e de todos os portugueses que, mais uma vez, são quem paga a conta dos erros cometido pelos ministros e pelos governos?