Uma das teorias mais comuns sobre a educação é a de que não tem nenhuma utilidade prática. Muitas pessoas perguntam quando foi a última vez que fizeram uma conta de dividir, isolaram um complemento indirecto, ou se lembraram da capital do Paraguai. As suas queixas exprimem uma forma de utopia viril, que imagina a educação como ensino orientado para a actividade profissional e os desígnios do planeta; é a devoção diurna a que se chama hoje cidadania.

A teoria de facto tem duas partes: a da utopia da utilidade absoluta e a da queixa pela inutilidade generalizada. Nenhuma é clara, ou boa. Com efeito, se a educação consistisse em preparar-nos para ganhar a vida de uma certa maneira, sempre que se passasse a ganhar a vida de outra maneira seria precisa outra educação. Aquilo que se aprendeu antes só por acaso coincide com aquilo que se irá fazer. E naturalmente aquilo a que chamamos a nossa vida só em parte coincide com o modo como nos acontece ganhá-la.

Estas dificuldades trazem-nos à segunda objecção. Se o que se aprende é raramente o que se faz na vida, o que é que se deve aprender? Implicadas na queixa sobre a falta de ligação entre contas de dividir e a vida estão as ideias de que ‘vida’ quer sempre dizer profissão; e a de que não se deve aprender a fazer contas de dividir. A profissão, acredita-se, determina o que é preciso aprender. Há no entanto aqui uma dificuldade. Porque a nossa vida tende a variar, nunca é possível decidir antecipadamente o que é preciso aprender para profissões que não sonhamos vir a ter. O único resultado prático destas queixas é um argumento a favor do trabalho infantil. Já que não é possível decidir o que é preciso aprender para uma profissão que ainda não temos, mais vale eliminar as agonias e começar a trabalhar aos oito anos.

Precisamos pelo contrário de opor à teoria de que a educação não tem uma utilidade prática a teoria de que a educação não deve ter utilidade prática. Isto pode parecer escusado visto que, pelas razões acima, não pode; mas talvez além disso não deva. Em qualquer caso, como justificar as horas gastas a perceber a Queda do Império Romano do Oriente ou o Teorema dos Valores Intermédios? Sentimo-nos nervosos quando se trata de alocar recursos escassos a actividades rarefeitas, e francamente com uma ideia moral que não resuma a nossa vida à nossa profissão.

Não há vergonha nenhuma em ganhar a vida, mas também não há razão para nervosismos por não estarmos sempre a fazê-lo. Existem boas justificações para não resumir a educação à preparação para a vida: afinal a Queda do Império Romano do Oriente ou o Teorema dos Valores Intermédios são coisas muito interessantes; mas há poucas pessoas que acham que valha a pena expor justificações em voz alta.

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