O mundo, ou melhor, o Sistema Terra corresponde a um conjunto extremamente complexo (e até agora não totalmente decifrado!) de fatores e fenómenos que funcionam de forma interligada, estando por detrás do Clima, da organização dos oceanos, da Biologia, entre outros. Ainda que o Sistema Terra obedeça a rígidas Leis da Física, Química e Matemática, o certo é que boa parte das engrenagens que “montam” o Sistema Terra são, até hoje, uma questão de incompreensão total ou relativa para o Homem – e uma delas é o fenómeno do tempo geológico.
Para os estudiosos das Ciências da Terra, sendo fundamentalmente geólogos e geógrafos, ainda que relativamente habituados aos processos longos, o tempo geológico é, ainda, um desafio de compreensão e, sobretudo, de imaginação. Quando lemos os arquivos terrestres presentes nos anéis dos troncos de árvores (dendrocronologia), nos sedimentos de um lago (as varvas), ou até mesmo os anais da História, apesar da noção enviesada do tempo, a compreensão chega a ser relativamente extensa – sobretudo porque lidamos com o nosso tempo de vida, ou o dos nossos avós e “parentes” distantes. Contudo, quando se começa a chegar ao Paleolítico, ou até mesmo à base do Quaternário (no Gelasiano, há 2,58 milhões de anos), a estória é já outra…, mas porquê?
A resposta é bastante genérica e até generalista. É tudo uma questão de escalas, sejam elas a nível espacial, sejam elas a nível temporal. Dou, em seguida, um exemplo. No nosso dia-a-dia, para nós, atravessar uma estrada longitudinalmente é uma questão de minutos, senão de segundos. A mesma estrada, para um avião (que esteja a voar por cima), é uma questão de segundos, senão de microssegundos. Ainda a mesma estrada, para uma formiga ou um caracol, é uma questão de horas, senão de um dia. Deste ponto de vista, é possível ver que a nível espacial, uma dada distância na ordem dos metros, a escala é variável, tendo por base a dimensão do organismo/veículo (no caso do avião). Um outro exemplo pode ser feito, da mesma forma, na escala temporal. Para nós, Homem, um dia é uma questão de 24 horas, que com maior ou menor velocidade (aparente, porque depende dos nossos afazeres – sendo que, na realidade, é sempre a mesma velocidade) se consome, abrindo espaço para outro dia, sucessivamente. Assim, no ponto de vista humano, a nossa escala de referência é a escala anual e/ou decenal, onde vemos a nossa esperança média de vida, cursos formativos, entre outras. A mesma escala temporal para uma borboleta, em contrapartida, corresponde a uma vida, ou seja, toda a sua atividade adulta se desenvolve num percurso até à morte (desde a saída do casulo). A mesma escala para uma rocha, em contrapartida, corresponde a uma fração de segundo da sua existência, uma vez que, na generalidade, o seu “período de vida” (isto é, desde a formação – por vários processos – até à erosão total) e estende de milhares a milhões de anos.
Tendo por base a nossa escala de referimento temporal (e não tanto a espacial), é-nos racionalmente impossível conseguir compreender totalmente o fenómeno do tempo geológico (para se ter ideia, o “nascimento” do Homem, há cerca de 3,3 milhões de anos, com o Australopithecus africanus, corresponde ao ontem da Geologia – agora imagine compreender que a Terra tem 4,6 mil milhões de anos), uma vez que só muito raramente se verificam mudanças à escala da vida humana nas rochas (por exemplo, uma erupção vulcânica, ou um tsunami). Compreender, portanto, a formação de paleocontinentes, como a Laurentia ou o Gondwana, assim como a abertura e o encerramento de continentes se torna uma tarefa, digamos, quase irracional. Tais disparidades temporais nos fenómenos geológicos e biológicos, resulta em que seja muitas vezes confundido o campo de ação das ciências da Vida e das ciências da Terra.
O exemplo mais premente entre o conflito destas duas áreas do saber é, por exemplo, as “alterações” (ou mudanças – sendo este último mais correto) climáticas. Muitos biólogos, tendo por base o período de vida humano e/ou animal, argumentam mudanças climáticas sem precedentes. Por outro lado, geólogos e geógrafos, argumentam que é muito difícil definir uma verdadeira crise climática (ou a influência do famoso “Antropocénico” – que será explicado noutra crónica), uma vez que não existem dados de comparação suficientes, em escala suficientemente temporal suficientemente abrangente (havendo apenas proxys, ou seja, “substitutos” do clima, que existem em dada região pela influência de um paleoclimas), para se poder analisar com precisão a evolução do Clima. Mas se assim é, onde ficamos?
Aqui está verdadeiramente o busílis da questão – é preciso continuar a investigar. A Ciência, por si só, não é exata. E à medida que andámos para trás (seja no tempo, seja no Espaço), torna-se ainda mais confusa e de mais difícil interpretação, sobretudo porque faltam dados, ou até mesmo mecanismos de compreensão. Portanto, a Ciência apesar de continuamente tentar, até hoje (e nos próximos decénios, pelo menos), não conseguirá dar a resposta a todos os problemas – mas isso é a parte mais interessante de quem a faz!