Sempre que se aborda o tema “diálogo mercantil Norte/Sul” e se analisa o mesmo à luz dos grandes números, é normal que se apresentem exemplos de grande notoriedade económica, quando não política, normalmente realizados por grandes empresas ou grandes grupos em resultado da aplicação de avultados investimentos, privados ou públicos, ou ainda em resultado da concretização de muito complexas operações de engenharia financeira.

Estes exemplos são importantes, e constituem a mola motora das movimentações empresariais, mas parece-me também importante reconhecer o papel fundamental e muitas vezes subestimado das Pequenas e Médias Empresas (PME) nos fluxos de comércio internacional. De facto, cerca de 80% das transações comerciais correntes, e não institucionais, entre a Europa e a África ou, se quisermos, entre o Norte e o Sul são asseguradas por este tipo de empresas, cuja versatilidade e flexibilidade negocial permitem numa grande maioria de casos, com grande sucesso, o estabelecimento de relações privilegiadas com os diversos agentes económicos dos países destinatários.

Hoje, sendo certo que quase todos os países africanos assumiram já a filosofia da economia de mercado, perduram ainda muitas das características que os tornaram tão complexos, impedindo que os seus mercados funcionem plenamente com a dinâmica própria das economias abertas, ou seja: debilidade financeira das suas empresas (estatais ou privadas), sistema financeiro ou cambial instável, forte concentração de poder discricionário por parte dos bancos centrais, incipiência das estruturas alfandegárias, etc. No que às empresas propriamente ditas diz respeito, mantêm-se na maioria dos casos as deficiências orgânicas de um passado mais ou menos recente, nomeadamente: fragilidade económica, má compreensão do binómio rentabilidade/lucro em virtude de vícios ainda não erradicados decorrentes de uma certa estatização da economia, excesso de pessoal, comunicações e logística deficientes, etc.

Portanto, um conjunto de dificuldades em cujo universo, mais uma vez, as PME, invariavelmente, se movimentam muito melhor do que as grandes empresas porque são mais flexíveis, porque não estão obrigadas à ditadura de normas de conduta típicas daquelas, porque o seu poder de decisão é mais imediatista e, sobretudo, porque os seus órgãos decisórios conseguem chegar mais facilmente ao contacto directo com os seus homólogos nas empresas suas clientes.

Quantas vezes em África, onde trabalho com a Resul há mais de 40 anos, somos confrontados com possibilidades de negócio cuja concretização passa necessariamente por soluções essencialmente imaginativas, de todo incompatíveis com o rigor de funcionamento das grandes empresas ou, no mínimo, incompatíveis com a morosidade decorrente de uma consulta às suas sucessivas hierarquias internas? Até que o poder máximo de decisão da grande empresa exportadora atue, ou a oportunidade já passou ou, pior ainda, o negócio já se inviabilizou.

Este é, com efeito, o grande trunfo em África das PME: imediatismo de decisão, menor rigidez processual e maior imaginação na procura de soluções negociais. Resulta daqui uma muito maior pessoalização do contacto, o que na maioria dos casos conduz ao estabelecimento de relações de confiança mútua extremamente importantes em mercados onde predominam ainda, há que dizê-lo sem receio, alguns fantasmas do passado. É assim que as PME têm vindo cada vez mais a assumir um papel crucial no quadro multifacetado em que se desenrolam as transacções comerciais Norte-Sul.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR