A Câmara de Lisboa passou as últimas semanas a preparar o Orçamento para 2023. Já foi aprovado pelos vereadores, seguiu para votação na Assembleia Municipal. O PEV (Partido Ecologista os Verdes), aproveitando o pretexto, apresentou uma proposta a pedir sessões públicas de “esclarecimento” e “discussão”, para os próximos orçamentos municipais, “a realizar pelas várias freguesias do concelho”. Evocava a “transparência”, a “política de proximidade”, a “comunicação directa com os munícipes” e outras frases de contrafacção em que estas manobras costumam vir enroupadas. Era uma péssima ideia.
O Orçamento é um dos documentos mais extensos e complicados que um governo chega a produzir. É uma política traduzida em números. No caso de Lisboa, é uma política complexa traduzida em números altos – 1.300 milhões de euros. Por ter essa consciência, o vice-presidente e vereador das Finanças, Filipe Anacoreta Correia, ocupou-se em longas reuniões com as Comissões Permanentes (Urbanismo, Mobilidade, Habitação, Desporto, Cultura, Ambiente e Espaços Verdes, Assuntos Sociais, etc.), levando com ele o vereador do respectivo pelouro, para que todos os aspectos fossem explicados e discutidos detalhadamente.
Estas comissões são formadas por deputados especialistas, ou que, com o tempo, se foram especializando, enviados por todos os partidos na proporção dos resultados eleitorais. Aproximam-se aos assuntos integrando um certo conhecimento técnico e a perspectiva política que representam. Pretender que o orçamento da CML seja apresentado e discutido em directo com os cidadãos é um exercício de populismo.
No dia em que esta manhosa ideia do PEV foi votada na Assembleia Municipal, vários deputados reconheceram a “bondade da proposta” e lamentaram que não fosse exequível. Justificavam assim, com a manifesta largueza de uma impreparação política, a rejeição da sua bancada. Não havia “bondade” alguma. A imaginada “bondade” pressupunha, por parte do PEV, um conjunto de intenções piedosas que faziam dele um partido ingénuo. Não tenhamos o PEV nessa conta. O PEV é um sub-produto do PCP e sabe muitíssimo bem o que anda a fazer.
A democracia do tipo popular e directa que a proposta do PEV quer pôr em prática, ao pretender que o orçamento de Lisboa seja discutido directamente com os cidadãos, e fora da Assembleia Municipal, é uma ideia demagógica. Não peca por inexequível, é indesejável também e aqui está o seu aspecto mais grave. Foi assim, por exemplo, que a Almirante Reis sofreu uma decepção perante os eleitores de Lisboa, que haviam votado o compromisso de Moedas acabar com aquela inqualificável ciclovia. Aconteceu desta maneira porque os decisores políticos eleitos decidiram discutir o traçado da avenida com um conjunto de grupelhos, associações disto e daquilo, sem qualquer legitimidade democrática eleitoral, que mais não são do que avatares do PCP e do Bloco. De resto, como o PEV, ele próprio uma fraude, que nunca na sua vida indigna recebeu um único voto popular.
A democracia representativa tem uma razão de ser. Ela torna proporcional a influência que cada grupo tem junto das decisões políticas. E a democracia directa é capturável pelos grupos de interesse, e pelos grupos de pressão, todos eles controlados pelos partidos da esquerda. Seja o activismo das bicicletas (contra a indústria automóvel), o do ecossistema (idem, e da indústria em geral), o da habitação pública (contra os livres mercados), o dos “direitos” LGBT (contra as estruturas intermédias de ordenamento da sociedade, que lhe permitem libertar-se da dependência do Estado), o das “identidades” ou das “minorias” (idem). Destilada a retórica de um activista, o que fica é uma gema de anti-capitalismo puro, duro e luminoso.
Nada disto tem a ver com “transparência”, nem com o acompanhamento e escrutínio que legitimamente se faz junto do governo da Câmara de Lisboa. Os partidos da esquerda e da extrema-esquerda mandam para as sessões públicas pessoas politicamente instruídas por eles, que se fazem passar por “munícipes”; e conseguem assim obter um poder e uma influência que o voto nunca lhes dá.