Suspeitando que o PS teria no seu programa eleitoral um conjunto de medidas que visassem “salvar” o SNS, dei algum tempo à leitura do mesmo, nomeadamente à parte dedicada à atração dos profissionais de saúde e às propostas para otimizar o SNS enquanto um todo.
Admito que apesar de vários esforços mentais não consegui acompanhar a lógica do pensamento socialista no que diz respeito à valorização dos profissionais de saúde. Tirando a valorização da carreira, da dignidade do médico e dessas “coisas” que tocam ao coração e à carteira de todos, o PS pretende “avaliar a possibilidade de introdução de um tempo mínimo de dedicação ao SNS pelos profissionais de saúde, nomeadamente médicos, na sequência do período de especialização”. Ao ler este tópico assoberbou-me de imediato a sensação de que esta medida era uma espécie de chantagem regulamentada, ou seja: estudaste medicina na pública? Tens de trabalhar no SNS uns tempos! Foram os teus pais ou tu que pagaram as propinas? Sim! Mas isso não importa, se queres ser médico o PS pode cativar a tua liberdade de exercer os teus primeiros anos de carreira segundo as tuas opções, mesmo que a administração socialista esteja há vários anos a contribuir para o declínio do SNS e da formação dos seus profissionais.
Contudo, e ainda que este assunto seja de enorme preocupação, fiquei ainda mais alarmado quando percebi que as cativações socialistas na saúde não se resumem a timings e opções de carreira. O PS quer regulamentar a nossa consciência, o último reduto da Dignidade da Pessoa Humana.
No seu programa, o PS, que tem sempre algum acrescento, normalmente infeliz, à legislação que regulamenta o aborto, entende agora que se devem “remover os obstáculos à implementação da lei da Interrupção Voluntária da Gravidez através, nomeadamente, da regulamentação clara do direito à objeção de consciência dos profissionais de saúde”. Ora bem, eu não sou jurista, mas tenho uma vaga ideia, curiosamente fundamentada, que a Objeção de Consciência está consagrada na Constituição. Isto será porventura uma discussão muito lata, visto que, em determinadas situações, podem estar em causa conflitos de diferentes direitos fundamentais, contudo, repito, não sou jurista, mas este “regulamentar” socialista cheira-me mais a uma forma eufemística de dizer limitar.
Com franqueza, devo admitir que só consigo ler estas linhas com duas óticas. Ou estamos por um lado diante da ignorância criativa que muitas vezes caracteriza o partido socialista, ou então estamos mesmo a lidar com pessoas que acham que podem limitar a nossa liberdade, nomeadamente de consciência, com estes seus tiques radicais e descaradamente totalitários.
Seria uma ousadia minha entrar na discussão dos conteúdos técnicos do Direito, nomeadamente dos Direitos Fundamentais, mas enquanto cidadão, informado que me considero, fico com a intuição que algo aqui pouco sentido faz num Estado de Direito. Teremos todos lido a mesma coisa? Os que leram claro. Valerá tudo num Estado de Direito?
Permitam-me a narrativa, mas eu ponho-me a imaginar as diatribes socialistas com a Alexandra Leitão, coitada, a tentar corrigir este pontapé no Direito, sim porque como sabem a senhora é Professora de Direito na Universidade de Lisboa. Imagino a vergonha que ela sentirá tentando explicar aos seus alunos que lá foi dizendo aos camaradas que o os direitos fundamentais não se regulam. É que, imagine, Alexandra Leitão é espinha intelectual do PS de Pedro Nuno Santos nesta campanha e eu quase que ponho as mãos no fogo que a Professora Leitão lá foi dizendo que não se podia escrever daquela maneira e tal pois aquilo não era possível, mas, enfim, ela não terá certamente culpa. A pressão das ciências sociais dentro do PS que tem o seu baluarte em Isabel Moreira, doutorada em ginástica jurídica em favor das causas tatuadas, terá sido certamente mais forte e mais próxima das ideias de Pedro Nuno.
Ainda assim, caro leitor, o objetivo deste artigo não é escrever uma putativa imagética das certamente criativas reuniões socialistas. O objetivo deste artigo é mesmo pedir a quem mais do que eu, domina a área do Direito, da Ética e da Deontologia, que explique o porquê de num Estado de Direito os Direitos Fundamentais não poderem ser “regulamentados” como pretende o PS; de questionar se dentro do PS alguém pensou nisto, ou se isto já é parte da habitual inconsequência que pauta as suas ideias.
Muito provavelmente dentro do PS já sabem a resposta a estas inquietações e os limites às suas inconstitucionalidades criativas, e, portanto, assim, estaremos diante de um número de demagogia programática, própria do tempo eleitoral, enganando as pessoas, algo que já não me espanta.
Talvez nada disto interesse ao comité socialista português e o problema seja “apenas” que a maioria absoluta lhes tenha instalado artificialmente no intelecto o vício do poder absoluto…e aí sim o problema é ainda mais grave.