Respondendo já, isto: o Chega, segundo as últimas sondagens, uma do ICS/ISCTE para a SIC/Expresso e a outra do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica para o Público, RTP e Antena 1, pode chegar aos 21% ou aos 19% nas legislativas de 10 de março, sendo esta uma constante das sondagens. O partido Chega pode ter conhecido os limites do seu poder nos Açores, mas estes eleitores merecem respeito.

Não os fascistas, que os há e os fascistas combatem-se sempre, os do Chega, como os que estão entre os 5% do Bloco, caríssimo Pedro Nuno Santos. Mas 20% dos eleitores portugueses, um quinto deles na verdade!, quase tantos como os eleitores do PS, 29% ou 28%, e da AD, 27% ou 32%, não são fascistas. “Esses homens doentes não são nada. Mas os homens comuns dos quais é feito o Estado — sobretudo em tempos instáveis –, eis o verdadeiro perigo”, dizia Jonathan Littell n’As Benevolentes.

O terramoto corre a Europa e os EUA e as causas que fazem tremer o regime político português são as mesmas, mas sobretudo duas: corrupção e declínio prolongado. Um crescimento económico praticamente estagnado, insignificante, há mais de 20 anos, o que significa que há pessoas que passam toda uma vida adulta sem verem o salário crescer (e bem pode Pedro Nuno Santos falar do maior crescimento económico da Europa). A manifestação dos polícias no Porto proporcionou, a este propósito, um momento emblemático quando um dos manifestantes disse para as câmaras de televisão que quando entrou para a polícia ganhava dois salários mínimos e hoje, com 24 anos de serviço, não ganha dois salários mínimos. Outro sinal são os 60 mil portugueses que emigraram em 2022 (Suíça, outra vez…). Ninguém quer cá viver, não há oportunidades.

A corrupção em Portugal é neste momento, bem mais que a imigração, a catalisadora do voto de protesto, como de resto André Ventura bem percebeu quando tirou Maló de Abreu da lista de deputados. Os dois últimos primeiros-ministros socialistas estão envolvidos em casos de corrupção, um vai a julgamento por esse crime, o poder político na Madeira está a ser investigado – todo, Paulo Cafofo também – por suspeitas de corrupção que fizeram cair o governo regional e o presidente da camara do Funchal; centenas de casos com a mesma natureza foram noticiados ao longo dos anos envolvendo políticos, poder económico e fático, desmascarando redes clientelares e de privilégios montadas à volta do Poder e do poder de dispor de dinheiro e de recursos públicos nacionais e comunitários. As desigualdades, e a sua visibilidade, expuseram-se.

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Por cada casa que não posso comprar, tratamento médico que não posso tenho, dívida que não consigo pagar, salário baixo, filhos que não consigo ter e pais de que não consigo cuidar, educação que não consigo dar aos meus filhos, impostos que fecham a minha empresa, supermercado para que o dinheiro não chega, sítios que nunca conseguirei frequentar, férias que não consigo ter, papeis intermináveis que tive de entregar para receber o mais pequeno subsídio de que me obrigaram a depender para sobreviver, medo da tecnologia que não sei usar, da mudança, insegurança, humilhação ou ridículo, por toda a injustiça, por achar que quem enriquece o faz à custa dos outros que é o mesmo que dizer à minha custa, cada um sente que pode fazer a catarse dos seus problemas particulares votando no Chega porque os outros todos já foram tentados e chegou-se aqui.

Até entre as mulheres, o voto no Chega está a subir. Interesses tão dispares como o meu, que quero acabar com as desigualdades entre mulheres e homens nos salários, nas carreiras, no acesso, olhem, basta olhar para as mulheres nas listas dos deputados do meu partido, o PSD, e o dos homens que resistem com todas as forças às mudanças, podem coincidir no uso do voto para manifestar a revolta, sem sequer pensar no governo futuro, simplesmente porque “enough is enough”. Declaração de voto: votarei AD, o exemplo pretende só lembrar que a revolta é um sentimento das mulheres e homens comuns.

Enquanto fomos consumidores de prosperidade, estabilidade e segurança entregamos a governança aos representantes, mas, em 2023, o número de pessoas que esperavam estar “em melhor situação dentro de cinco anos” atingiu mínimos históricos, abaixo dos 50 por cento, em 14 países desenvolvidos analisados pelo Edelman Trust Barometer que há mais de 20 anos estuda a confiança. Perdemos a fé num sistema que já não cria oportunidades para todos e nos representantes que já não o conseguem fazer funcionar. O voto devolve-nos momentaneamente o poder, ainda que, à la longue, possamos descobrir que o resultado foi o oposto do pretendido.

O presidente da Rockefeller International, Ruchir Sharma, tem acompanhado os índices de aprovação dos líderes em 20 grandes democracias, utilizando pesquisas de opinião líderes como a Morning Consult, a Gallup e a Compolítica e verificou que, no mundo desenvolvido, nenhum líder tem uma classificação superior a 50%. Só Giorgia Meloni, em Itália, viu a sua aprovação subir na década de 2020. Com 37%, a classificação de Biden está num mínimo histórico para um presidente dos EUA no final do seu primeiro mandato, mesmo assim acima da média para os seus pares.

Em Portugal a tendência não desilude, basta ver a tal última sondagem do ICS/ISCTE para a SIC/Expresso, aqui numa escala de 0 a 10, em que todos os líderes dos partidos políticos pontuam abaixo de 5 — só o Presidente da República, em queda, consegue um 5,9.

No início da década de 2000, os titulares de cargos políticos ganhavam 70% das suas candidaturas à reeleição; ultimamente ganham cerca de 30%.

Diz ele que os líderes de todo o mundo desenvolvido são, pelo menos em parte, vítimas de uma decadência prolongada do moral nacional. Um crescimento económico mais lento, uma desigualdade crescente e um sentimento crescente de que o sistema está manipulado contra a pessoa média, com todos estes fatores ampliados pelo impacto polarizador dos meios de comunicação social.

Portanto repetir exaustivamente, como faz Pedro Nuno Santos e o PS, que o PSD se coligará com o Chega, tem hoje um efeito praticamente nulo e até inverso ao pretendido (ainda que tarde, o pretendido já não é só acabar com o PSD), num daqueles casos em que cauda começou a abanar o cão. Da mesma maneira, quando Mariana Mortágua propõe um imposto sobre as heranças, não sei se é por pôr o português médio que comprou a sua casa e tem algum património a pensar que pagará mais impostos que obterá algum sucesso. O registo “morte aos ricos” não é necessariamente o que o eleitor ouve nesta proposta, até porque o Bloco esteve seis destes últimos oito anos no governo com o PS e as desigualdades dispararam. Será mais “querem tirar-me tudo”.

Estamos em campanha, venham as propostas, mas a classe política portuguesa tem de renovar-se. Em primeiro lugar, tem de definir em que momentos, condições e situações um titular de um cargo público ou um candidato é obrigado a demitir-se ou desistir quando confrontado com a Justiça.

Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos, para falar dos líderes dos maiores partidos, são novos e andam nisto há demasiado tempo para perceberem que não podem prolongar este anátema sobre todas as pessoas que escolheram fazer Política, nem continuarem a calar-se para não prejudicar os próprios partidos.

Depois, temos de perceber qual é o problema. Qual é o problema? O recrutamento está a ser mal feito? Os salários dos políticos são baixos? Será melhor discutir a sua subida em vez da atribuição de ajudas de custo ou cartões de crédito?

Ainda recentemente soube-se que Pedro Nuno Santos recebeu 203 mil euros de subsídios de deslocação enquanto deputado, tendo casa em Lisboa (não é um caso isolado). É concebível? Será melhor o Estado ter, para os titulares de cargos políticos e staff, apartamentos, como na Suécia? Os cidadãos de todo o país têm de ter acesso efetivo ao exercício de cargos políticos e trabalhos nas instituições políticas. Eu fui assessora de um governo e, sendo do Norte, via injustiça em alguém deslocado para trabalhar, mas com o resto da vida noutro sítio, ter exatamente o mesmo rendimento que quem vivia e trabalhava em Lisboa. Muitas empresas atendem a isso no pacote salarial. A Câmara do Fundão oferece agora um pacote de estabelecimento na região para profissionais que fazem falta.

Ou para trabalhar na política tem de se ser rico? Se for isso, o PS já resolveu uma parte do problema, mas nem só quem é rico pode ambicionar uma carreira política.

O financiamento partidário também tem de ser discutido sem fingirmos a suficiência e incapacidade de influência dos donativos baixos ou a infalibilidade do financiamento público. O lobby, definitivamente regulado. É mais fácil escrutinar a transparência.

E, fundamentalmente, temos de repensar o sistema político fechadíssimo. Isto ficará para outro artigo.

Este, concluo-o dizendo que uma condição basilar da democracia é ter bons políticos, porque todos as mulheres e homens comuns sabem, conscientemente, que alguém tem de governar.