Sabemos muito bem o que é o tempo, informa o Santo, quando não nos perguntam.  O problema é quando nos perguntam.  Nessa altura, como quem apanha uma doença, passamos nós a querer perguntar.  Mas a quem?  Os físicos, se nos acontece não saber matemática, respondem-nos como Moisés no princípio do seu livro; os relojoeiros acham que tudo é uma questão de relógios; os historiadores falam só do que já aconteceu há algum tempo, e inclinam-se a achar que o tempo é aquilo que já aconteceu; e os filósofos, quando não nos despacham para os físicos ou para os historiadores, não têm grande coisa a dizer que se perceba.  Talvez não seja frequente fazer-se perguntas sobre o que é o tempo porque se pressinta que normalmente não adianta muito fazê-las.

Uma pessoa é atropelada sem gravidade. Levanta-se e percebe que partiu o braço.   Não tem grandes dores, mas adivinha o que lhe vai acontecer:  o gesso no braço, as mangas das camisas novas que terá de rasgar, a fisioterapia feroz, e um Verão a nadar à cão, caso se chegue a isso.   Ocorrem-lhe também outros pensamentos: o de que cerca de trinta segundos antes estava tudo em perfeita ordem; e o de que caso não tivesse sido atropelada tudo estaria ainda em perfeita ordem.  Percebe que aconteceu qualquer coisa, mas o que aconteceu parece-lhe ao mesmo tempo evitável e irreversível. Se não tivesse sido atropelada, conclui com irritação, tudo teria continuado a acontecer.

Ao voltar do hospital comunicam-lhe que perdeu um programa com valor educativo na televisão, sobre animais.  Por felicidade o seu serviço de televisão oferece uma caixinha que lhe promete voltar atrás no tempo.  Não obstante a vida recente lhe ter já indicado que poderá não ser o caso, procura o programa educativo nessa caixinha, com esperança e método.  Não o consegue porém encontrar:  nem há dois dias, nem há um dia.   Chegado na caixinha ao princípio do próprio dia, carrega com persistência num botão, e as horas do relógio aproximam-se com velocidade crescente da hora actual.  Embalada pelos progressos, imagina durante uma fracção de segundo que o botão lhe permitirá continuar indefinidamente a procurar o programa no futuro.

As duas experiências têm ar de filosofia, mas são tempestades mentais.  Tudo neste mundo nos confirma que o passado passou, e que a tecnologia tem limitações.   A sensação de que as coisas poderiam ter sido diferentes parece não obstante sugestiva; e também nos atrai a ideia de que o futuro é a extensão de um passado a que, caso certos botões fossem mais eficientes, ou o pacote de televisão que assinamos mais capaz, poderíamos aceder.  Talvez o tempo, responderemos da próxima vez que nos perguntarem, corresponda não ao conteúdo das nossas tempestades mentais sobre o passado e o futuro mas àquilo que acaba mais tarde ou mais cedo por nos lembrar que essas tempestades são fantasias.

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