Antigamente chegávamos ao princípio do Outono e as preocupações no campo limitavam-se às preparações das suas gentes para uma estação em que a natureza assume uma dormência que nos apresenta um quadro de paisagens fabulosas, uma estação em que vasta área da agricultura assume o seu papel de renovar o manto verde dos campos e os animais adaptam-se a tempos mais favoráveis após os árduos meses de verão. Era, por norma, o início dos tempos onde melhor se estava no campo, onde quem por lá vive e trabalha se prepara para os trabalhos, para a gestão dos habitats, para cumprir o seu papel para com a sociedade como agricultores e gestores da natureza humanizada que caracteriza o nosso país de norte a sul.

Mas tudo mudou nos últimos anos, pois o início do Outono passou a ser a altura do ano em que o governo apresenta a sua proposta de orçamento de estado, e a época em que se passou a iniciar o dramatismo, a novela, o suspense político de uma negociação que se transformou num estranho caso de falta de seriedade política. E essa seriedade, ou melhor, a falta dela, passou a ter um palco para a montagem deste xadrez político, ou seja, o mundo rural e as suas gentes, mas também todos aqueles do litoral e das cidades usufruem e vivem de, e para, o campo, que nos últimos tempos, ao contrário do habitual, esperam o início do Outono como a altura do ano em que se apresentam as jogadas políticas que ditarão mais uma ou duas proibições ao bom estilo ditatorial a que tem sido remetido o mundo rural neste novo panorama político.

Aquele onde um partido que representa poucas dezenas de milhares de eleitores, quase exclusivamente urbanos, ignóbeis desfasados da realidade, controlam agora parte das jogadas que têm sido usadas para, passo a passo, tentarem fazer “xeque mate” em muitas das atividades sociais, culturais e económicas do mundo rural, a troco de chavões para títulos de posts nas redes sociais, outdoors publicitários nas avenidas das grandes cidades, e a repetição da “cassete” ideológica, vezes e vezes sem fim, mesmo sendo constantemente confrontados com a falsidade do que apregoam cegamente, para regozijo dos míseros 52 mil votantes que representam no atual panorama eleitoral nacional.

E de facto, o que temos assistido nos últimos anos com a chegada da estação onde as folhas mudam de cor e o verde começa a despontar, é a apresentação de um comércio que tem vindo a ser feito em torno da proposta de Orçamento de Estado, e o ano da proposta para 2022 apresenta-se pouco recomendável para os espetadores mais sensíveis.

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A maleabilidade com que o governo tem cedido às sucessivas exigências da extrema-esquerda, e da esquerda animalista, levam-nos a interrogar se o governo tem, sequer, espinha dorsal ou se lhe sobra uma pinga de dignidade.

António Costa, e a forma como os ministérios que tutelam as diferentes atividades económicas, sociais e culturais do mundo rural, bem poderiam imitar a célebre tirada do comediante norte-americano Groucho Marx: “Estes são os meus princípios. Se não gostam deles, arranjam-se outros”. Isto não é um Orçamento de Estado, isto é uma gestão típica de casa duvidosa, onde tudo se vende, sem olhar a consequências ou princípios. Uma gestão feita por vezes à revelia do Parlamento, onde a esmagadora maioria dos ataques radicais são chumbados, mas depois aprovados e postos em prática sobre a forma de resoluções do Conselho de Ministros, ou sobre a forma de apresentação pelo Orçamento de Estado, mesmo não tendo nada a ver com política orçamental.

A política deve assentar em valores, em linhas programáticas, em princípios. A um partido de governo – qualquer que seja a sua orientação política – pede-se que não se venda. Que não traia a confiança dos seus eleitores (muitos, mesmo muitos deles, do mundo rural e das suas atividades, a parte do país que também vota, mas que pouco representa para os políticos). Que não se deixe corromper moralmente por ganhos conjunturais e efémeros, desvirtuando a ética e correção que é suposto ter no exercício da sua nobre missão de serviço público.

Mas aquilo a que temos assistido desde que o Governo entregou a sua proposta de Orçamento para o próximo ano é a antítese de como se deve estar em política. Um governo sem moral e princípios, ou que os vende ou troca como se estivesse em época de saldos, é um governo que deveria parar para pensar e ver o que pretende para o país, ou pior, a que custo se despreza uma parte do mesmo em detrimento de outra parte.

A esquerda animalista quer proibir os menores de 16 anos a assistirem a touradas e o que faz o Governo? Cede. Não se importando com a destruição de cultura e tradições rurais, não considerando que está, a prazo, a tirar público – e rendimento – a quem desenvolve as suas atividades em torno da tauromaquia. E para quê? Para seduzir mais um freguês para a troca de favores em que se transformou esta negociação orçamental.

A extrema esquerda quer acordar com uma visão utópica da agricultura em Portugal, sem ter a menor das preocupações da sustentabilidade da mesma e do aprovisionamento de alimentos para o País, e o que faz o governo? Cede.

A esquerda animalista e a extrema esquerda ditam que o interior do país deveria ser transformado numa versão da Disney, onde o homem deveria abster-se do seu papel de gestão rural, florestal e cinegética, e o que faz o governo? Cede.

E o que faz o governo com todas as entidades que representam estes sectores? Ignora-os, descarta-os, transforma-os em peões sem interesse neste xadrez político, pois vale tudo para aprovar o orçamento de estado.

Neste momento, só o PAN apresentou já uma lista com 50 medidas para viabilizar o orçamento. Medidas essas que, apresentando serviço ao seu minguante eleitorado, o Governo tem que considerar em troco da aprovação do Orçamento. Cedendo, é de uma falta de seriedade política que se trata, porque para acomodar as exigências de um partido que teve 1,4% de votos nas mais recentes eleições autárquicas, o Governo não governa com o seu programa, com as suas convicções, com as suas propostas, mas sim com a tirania de gosto de um pequeno partido.

Que governo temos, quando este se deixa corromper e descaracterizar desta forma, penalizando a maioria que é suposto governar?

O mundo rural, as suas gentes, os seus costumes, as tradições e a sua economia, e todos os que usufruem das suas atividades, não podem ser moeda de troca, onde o governo opta pelo mal menor para si, não tendo em consideração o mal maior para quem foi vendido que nem um escravo político numa sociedade dita democrática em pleno século XXI. No Parlamento, existe um órgão que se denomina “Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias”, mas parece que em breve a mesma se tornará obsoleta, tal a falta de direitos, liberdades e garantias com que estas jogadas políticas subjugam uma considerável parte da sociedade, com enormes consequências para, e à revelia, da esmagadora maioria da mesma sociedade.

Há que pôr ordem nesta pouca vergonha orçamental, sob pena de, quando se apagarem as luzes, acordarmos na República Animalista Portuguesa, e o mundo rural se transformar numa utopia das miragens mirabolantes da ideologia animalista e radical ambientalista, onde as dicotomias da sociedade portuguesa se irão transformar num cenário sem retorno possível.

Até lá, a corda vai esticando, mas é bom que o governo tenha em consideração que não irá esticar para sempre, sem que um dia rompa de vez…