Eis, outra vez, o Ranking das Escolas, que fornece sempre lastro para algumas peças de televisão, capas de periódicos e uma certa opinião publicada persistirem em sugerir representações que ajudam a desinformar a opinião pública. Por exemplo, onde se pretende chegar com parangonas como estas: “As 31 melhores escolas do país são privadas” (TVI24, 27-06-2020); “Privadas dominam o ranking” (Jornal de Notícias, 27-06-2020)?
Quem quiser interpretar, com seriedade e objetividade, o mencionado ranking, alcançará as seguintes verdades de La Palice: obtêm médias inferiores nas provas finais do 9.º ano e nos exames nacionais do ensino secundário as escolas inseridas em territórios económicos e sociais desfavorecidos, onde predominam o desemprego, o trabalho precário e mal pago e cidadãos com baixas qualificações académicas que laboram maioritariamente nos setores primário e secundário; obtêm médias superiores nas provas finais do 9.º ano e nos exames nacionais do ensino secundário as escolas inseridas em territórios económicos e sociais favorecidos, onde abundam cidadãos com elevadas habilitações académicas e que exercem as suas atividades laborais em profissões liberais, ou outras mais estáveis e bem remuneradas no setor terciário.
Por conseguinte, os rankings denunciam, fundamentalmente, as enormes desigualdades económicas e sociais que existem no seio dos próprios territórios urbanos, bem como as assimetrias entre os territórios urbanos e os concelhos do interior, cada vez mais envelhecidos, despovoados, proletarizados e desprezados pelo poder central.
Escusado seria acrescentar que é uma aberração mesclar nestes rankings as escolas privadas com as escolas públicas. Primeiro porque o corpo de alunos das escolas privadas é somente selecionado em função do maior poder económico e das superiores qualificações académicas dos pais. Depois porque, para cavar ainda mais as desigualdades, essas escolas dispõem, na maioria esmagadora dos casos, de infraestruturas físicas e de recursos educativos tecnológicos muito superiores aos existentes nas escolas públicas.
Como também é perverso misturar as escolas públicas situadas nos bairros privilegiados das grandes cidades (onde, a propósito, os alunos usufruem de explicações privadas a quase todas as disciplinas em que realizam exames e com isso sustentam uma «indústria de explicações» que vai florescendo à custa destas provas) com as escolas dos bairros urbanos pobres ou as escolas do Portugal distante, esquecido e abandonado.
Por exemplo, o Agrupamento de Escolas de Oliveira do Hospital – onde leciono – foi submetido pelo poder central, em 2013, a uma agregação forçada e traumática. Tornou-se, abruptamente, um mega agrupamento quase ingovernável — agora constituído por mais de dois mil alunos, da educação infantil ao ensino secundário, e mais de 200 professores — que inclui as antigas cinco escolas sede de agrupamento, as quais estão edificadas em freguesias dispersas por uma vasta área concelhia servida por más acessibilidades e limitados transportes públicos. Ainda antes da crise pandémica, Oliveira do Hospital já vivia tempos difíceis. Foi devastada pelo trágico incêndio de 15 de outubro de 2017, que depauperou ainda mais a economia frágil do concelho, acentuou o seu despovoamento e proletarizou as suas gentes. Hoje as suas escolas atravessam uma degradação acentuada e a escola sede mais parece um pardieiro ainda coberto por alguns telhados de amianto que espera, e desespera, por obras de requalificação, há bastantes anos. Situada nas faldas da Serra da Estrela, nem vale a pena falar do frio que alunos e professores sofrem no inverno, por faltar dinheiro para o combustível ou para reparar o decrépito aquecimento central, nem tão-pouco mencionar os seus recursos tecnológicos obsoletos e degradados. Apesar do seu dinamismo pedagógico, da excelente relação que mantém com a comunidade e do êxito que tem no combate ao insucesso e ao abandono escolar, esta escola obteve, em 2019, médias de 10,54, nos exames nacionais do ensino secundário, e de 3,10, nas provas do 9.º ano, situando-se, no ranking geral, respetivamente, nos lugares 248 e 321.
Este exemplo pode ser multiplicado por muitas outras escolas das cidades e da “província” (para utilizar a expressão presunçosa usada por muitos lisboetas), também elas com as suas histórias laboriosas que não estão vertidas nos rankings, onde os resultados das provas e exames nacionais são idênticos ou francamente piores. (Alguns leitores ficarão muito surpreendidos quando verificarem que as escolas com projetos educativos inspirados nas alegadas metodologias miraculosas “finlandesas” não ficam mesmo nada bem cotadas nestes rankings). Será que a mediatização destes rankings contribui para dignificar o trabalho persistente dos professores de todas estas escolas, ou este espetáculo serve apenas para aviltar as escolas que se afundam nesta lista hierárquica, enquanto promove as escolas privadas (quase todas católicas, que por isso não deveriam ter objetivos elitistas, mas sim sociais) e as escolas públicas dos meios mais favorecidos?
Em suma: o ranking das escolas é uma inutilidade. A menos que sirva para os poderes centrais, em articulação com os poderes locais, implementarem políticas económicas, sociais e culturais estruturantes, consistentes, inclusivas, e de discriminação positiva para os concelhos do interior e para as freguesias urbanas mais penalizadas pelo insucesso educativo. Mas isso seria pedir muito a uma governança sediada em Lisboa, que está mais preocupada em gerir o quotidiano do que em assumir políticas reformistas capazes de acautelar e resolver os grandes problemas nacionais.