A grande peça de teatro anual está novamente em cena, ocupando o palco principal da Assembleia da República com um guião ensaiado e repetido múltiplas vezes. A discussão do Orçamento do Estado 2025 está de volta, e sobre ele paira a nuvem negra da não-aprovação pelos partidos da oposição. Num parlamento em que não existe maioria e as convergências são necessárias, as acusações e as culpas atiradas uns aos outros substituem-se por apelos à responsabilidade política, ao interesse nacional e no insistente esforço de aproximação.
Os extremos partidários apontam culpados. De um lado, a imigração e a criminalidade; do outro, o benefício fiscal aos superpoderosos e os interesses das grandes empresas, com o PCP a diabolizar, como sempre, a privatização, que vai dos aviões da TAP ao repúdio dos negócios na área da Saúde. Mas o jogo faz-se ao centro, com o primeiro-ministro a contra negociar com Pedro Nuno Santos numa conciliação entre o que são as linhas vermelhas ou novas medidas propostas pelo PS que o Governo diz já estar a fazer.
Nada de novo, portanto. A certeza é que, em 50 anos de democracia e em 24 governos, os chumbos aos orçamentos de Estado funcionam quase como fábulas do Lobo Mau: metem medo, mas têm sempre um final feliz. As discussões arrastam-se durante semanas, alvitram-se soluções em horas infindáveis de debates televisivos e é como se o futuro do país pertencesse a meia dúzia de atores que, nos bastidores, ensaiam textos e, já no palco, em nada surpreendem.
É também como se o resto do mundo não existisse; o que é pena. Com duas guerras a ameaçarem os já frágeis equilíbrios internacionais, em contagem decrescente para umas eleições decisivas do outro lado do Atlântico, nós por cá tudo na mesma, em constante discussão sobre uma estabilidade política que, pensando bem, só não alcançaremos se não quisermos. E recorre-se aos mais criativos adjetivos para classificar documentos decisivos para a segurança que ninguém quer deixar de ter.
Ora, entre muitos orçamentos, em que alguns são “pipis”, como tantas vezes lhe chamou o atual primeiro-ministro, não hesito em dizer que quase todos são “totós”. E são orçamentos de Estado “totós” porque nunca nenhum orçamento de Estado espelhou a necessidade efetiva de dar aos portugueses uma simples rubrica específica para a saúde oral, de modo a reverter um problema grave, do qual padecem mais de seis milhões, repito, 6 Milhões de portugueses com falta de dentes.
Enfim, após 50 anos de narrativas parlamentares, de encenações partidárias, os orçamentos de Estado dos portugueses vão continuar a ser “totós” e os portugueses, infelizmente, continuarão sem dentes.