O Orçamento de Estado para 2024 está a ser apresentado e a sua aprovação é uma boa altura para atenuar as falhas do sistema fiscal português. Um bom sistema fiscal deve possuir três características muito importantes:
- Deve respeitar o denominado “princípio da capacidade contributiva”, que diz que cada cidadão deverá pagar impostos de acordo com o montante de rendimentos que aufira.
- Deve ser neutral, o que significa que os impostos devem ser aplicados sem penalizar ou beneficiar, indiscriminadamente, certos grupos da sociedade, e de forma a beneficiar todos os cidadãos.
- Finalmente, deve ser eficiente e transparente. Ou seja, deve conter normas e regimes simples, facilmente compreensíveis para a generalidade dos cidadãos que pagam os impostos e que beneficiam da sua aplicação.
Tendo presente aquelas características, é fácil perceber que o sistema fiscal português apresenta graves problemas. São os seguintes os três pecados capitais de que padece:
Primeiro Pecado Capital: Os impostos são pagos especialmente por quem tem poucos meios
A informação sobre o sistema fiscal mostra que, em Portugal, são aqueles que vivem, exclusivamente, do fruto do seu trabalho os que mais contribuem para a receita. Em média, os portugueses suportaram uma carga sobre o rendimento do trabalho que atingiu uns impressionantes 42% em 2022 e tiveram origem nas retenções na fonte sobre os salários, os descontos para a Segurança Social e o IVA sobre os bens adquiridos.
Note-se que, nesse mesmo ano, o volume total de receitas de IRS, Segurança Social, IVA e outros impostos indirectos pagos pelas pessoas ascendeu a mais de 79 mil milhões de euros, o que significa que, em média, cada uma das 4,15 milhões de famílias portuguesas teve, nesse ano de 2022, de pagar mais de 19 mil euros de impostos.
O que fica claro é que este valor não é suportável para famílias que recebem pensões mínimas ou têm salários mensais inferiores a 800 euros e a conclusão é que o sistema fiscal é mais um factor, juntamente com a inflação e o aumento das taxas de juro, a contribuir para o notório aumento das dificuldades financeiras dos cidadãos e para degradar o seu nível de vida.
Contudo, e apesar da carga fiscal brutal, o atual governo socialista tem sido pouco sensível ao aumento do custo de vida que os portugueses têm de suportar e, em vez de a reduzir, aproveita o aumento dos preços dos produtos e dos serviços e a subida dos salários efetuada pelas empresas com vista a dar aos seus trabalhadores mais poder de compra para continuar a sua cobrança confiscatória de tributos.
Segundo Pecado Capital: A perda de neutralidade
O nosso sistema fiscal deixou de ser neutral e tornou-se um imposto de cariz verdadeiramente confiscatório para certas categorias de rendimentos, castigando quem cria riqueza e fazendo com que muitos investidores procurem outros países. Os exemplos são variados:
- A taxa de IRS, que ascende a 48% para rendimentos superiores a 78.834 euros, sendo que, para rendimentos superiores a 80.00 euros e até 250.000, acresce uma taxa de solidariedade de 2,5%, e para rendimentos superiores a 250.000 euros aumenta mais 5%;
- O fim da isenção da tributação, em sede do IRS, de todos os que auferem o salário mínimo (ou seja, o governo socialista entende que os mais de 20% de trabalhadores que auferem o mais baixo rendimento salarial no nosso país deve passar a pagar IRS);
- O IRC de 31,5% para as grandes empresas, que é um verdadeiro desincentivo ao investimento no nosso país (à taxa de IRC de 21% acresce (i) a derrama municipal (estabelecida por cada município, e que pode ir até aos 1,5%) e (ii) uma derrama estadual (sobre lucros superiores a 1.500.000 euros), a qual pode chegar até aos 9%.
- O Imposto do Selo tributa tudo aquilo que não é tributado por outros impostos, numa óptica de pura sofreguidão pelo aumento de receitas públicas, que asfixia, uma vez mais, as pessoas e o investimento privado.
- Um trabalhador paga 11% do respetivo salário para a Segurança Social, ficando a empresa responsável pelo pagamento de 23,75% (num total de 34,75% do salário recebido). Mas quando receber a respetiva reforma, pode ainda ter de pagar IRS (Categoria H) pelo montante auferido. Algo que não pode deixar de ser visto como uma dupla tributação de rendimentos.
Terceiro Pecado Capital: Um sistema complicado, burocrático e pouco transparente
Finalmente, o sistema fiscal português comete ainda o pecado da complexidade e da falta de transparência, como os seguintes exemplos mostram:
- Grande parte dos portugueses é incapaz de aplicar a taxa do IRS. Isto, porque as taxas gerais de impostos assentam numa taxa média (aplicável ao limiar do rendimento auferido que atinja o “teto” do escalão) e uma taxa normal (aplicável ao excedente, com base na percentagem contributiva do escalão imediatamente superior), as quais sofrem, ainda, o impacto da aplicação do quociente familiar (o qual pressupõe a divisão do rendimento coletável em dois, para aplicação das taxas, e a posterior multiplicação, também por 2 do resultado). Isto cria uma verdadeira nebulosa nas garantias da esmagadora maioria dos contribuintes, já que estes ficam, em termos práticos, impossibilitados de saber, de antemão e com precisão, o montante do IRS que devem pagar ao Estado e frequentemente ignoram quanto é a taxa efectiva que pagam;
- O Estatuto dos Benefícios Fiscais, é uma manta de retalhos, cheia de exceções atribuídas a grupos de interesses económicos que conseguiram, com sucesso, fazer pressão junto do governo. É uma lei que revela bem a falta de rumo para o país, já que se limita a elencar as cedências a interesses especiais, sem que sejam claras vantagens económicas reais ou concretas para os cidadãos;
- Uma empresa portuguesa pode ser obrigada a preencher anualmente mais de 62 declarações dirigidas à Autoridade Tributária e Aduaneira (incluindo declarações periódicas do IVA, declarações mensais de remunerações, Modelo 22, declarações de início de atividade ou alterações, declarações recapitulativas do IVA, comunicações eletrónicas dos elementos das faturas, declaração mensal de Imposto do Selo, etc.). Uma pressão burocrática enorme sobre o tecido empresarial português, que causa um aumento exponencial dos custos administrativos e desvia o investimento para uma atividade totalmente improdutiva.
Perante estes três pecados capitais, o CDS-PP defende um debate alargado sobre a necessidade de uma reforma profunda do sistema fiscal português, tornando-o mais simples, mais transparente, mais competitivo e com maior capacidade de atração de investimento.
Em respeito aos contribuintes, estas características deveriam ser já consideradas na elaboração do Orçamento de Estado para 2024. Infelizmente, as notícias já conhecidas indicam um agravamento dos problemas aqui apontados.