Desde que um peixinho foi mais ambicioso do que os outros e decidiu sair do mar — e depois ganhar pernas, e depois andar, e depois falar, e depois caçar, e depois matar milhões por questões religiosas, e depois cantar as músicas do Pingo Doce, e depois admirar o Hugo Soares — que existe gente estúpida.
Quando era pequeno, por exemplo, sonhava ser cão porque achava o meu estúpido e queria ser como ele. Os estúpidos são importantes para a humanidade: o tio que, à mesa, segura o guardanapo na cabeça com um prato e começa a fazer danças havaianas; o velhote que está a mostrar uma turbinada ao amigo no telemóvel e é surpreendido por um estalo da mulher; até mesmo as pessoas que compram bicicletas — todos devem continuar a existir.
A grande novidade do nosso tempo não é haver estúpidos: a grande novidade é que os estúpidos agora filmam-se. O facto de agora qualquer um ter, todo o dia, todos os dias, um aparelho com uma câmara de filmar no bolso põe-nos, mais do que nunca, próximos de Deus. Qual invenção do fogo, roda ou internet: o que realmente mudou nossa a espécie foi a democratização das câmaras de filmar. Haverá altura mais divertida para se viver do que uma em que os estúpidos se filmam e partilham, gratuitamente, a sua estupidez?
O melhor exemplo de que me lembro está no videocast “Tias do Norte”. Dois minutos bastam para se ficar a saber que uma das protagonistas tinha o “vício” de espreitar os pais enquanto faziam sexo; que o pai da protagonista tinha os seios da sua mulher em grande estima, referindo-se-lhes como “limões” e gritando por eles ocasionalmente durante o ato (“ai, Rosa, que limões!”); que a protagonista gostava de interromper o convívio dos pais, entrando pelo quarto adentro e classificando-os de “porcos” e “badalhocos”; e que nem por isso os pais paravam — a criança ouvia apenas uma rabecada da mãe, que a informava de que um dia também lhe “iria fazer igual”.
Como se isto não bastasse, conta-nos ainda esta jovem de cabelos dourados que um dia, mais tarde, estava em casa a dinamizar amizade com um rapaz e a mãe entrou-lhe mesmo pelo quarto, gritando: “Anda, sua porca, gostas ou não gostas, também?”.
Depois disto, o Universo já nos deu tudo. Como lhe podemos pedir mais? Acabar com as guerras, a fome, as ciclovias? Nenhuma dessas ofertas se comparará à grande dádiva da massificação das câmaras de vídeo; de Deus ter semeado em cada um de nós um podcaster; de ter universalizado o acesso à bela e infinita estupidez humana.
Ninguém pediu a esta mulher que se filmasse a dizer estas coisas, ninguém pediu sequer que as dissesse. Fê-lo porque Deus lhe deu uma câmara de filmar e ela decidiu usá-la — e nós só temos de agradecer.
É um Deus moderno, digital e cool, o nosso — um que sabe que já não estamos virados para a álgebra ou para as humanidades; que nos viu chegar à Lua e notou que não nos deslumbrámos; que percebeu, finalmente, que a única coisa que realmente interessa às suas criaturas é rirem-se umas das outras. É o fim de linha — e eu confesso não me importar nada.