Tive muita pena de não assistir a nenhum jogo da seleção da Sérvia nos cinco dias que lá passei. Por outro lado, não gostava de estar em Belgrado no momento em que Shaqiri marcou o segundo golo da Suíça e o comemorou, tal como Xhaka, com uma alusão ao Kosovo, o espinho no pé dos sérvios. Quer dizer, até gostava de ter estado lá, mas apenas por curiosidade antropológica. Enquanto pessoa com o instinto de auto-preservação intacto, não gostava.
Assim que aterrei em Lisboa, a primeira coisa que ouvi foi “Jaime Marta Soares”. Como se o universo me quisesse confirmar que estava em Portugal, a imagem no televisor na zona da recolha de bagagens era a de um Bruno de Carvalho senatorial em entrevista à RTP. Percebi que, ao fim de uma semana, continuava tudo na mesma e o país “televisível” permanecia refém (embora com síndrome de Estocolmo) de um reality show sem fim à vista. Não é que noutros países não se viva o futebol com paixão. A diferença é que somos dos poucos países em que as discussões sobre o que acontece nas margens do futebol violam com extraordinária facilidade o perímetro do desporto – preferia dizer o cordão sanitário, se houvesse um – e instalam-se compulsivamente no centro da atenção mediática, como se nada mais existisse, nem nada mais importasse. Mas também seremos um dos poucos países em que um desmaio do Presidente da República captado pelas câmaras é exibido em loop por um canal de televisão.
É, este é um país que dá vontade de ir ler Roland Barthes, a não ser que tenhamos uma crónica para escrever sobre o Mundial de futebol o que, nesse caso, nos obriga a pousar contrariadamente O Rumor da Língua para assistirmos às proezas atléticas de seres humanos chamados Batshuhayi, Alderweireld ou Chicharito. Sem querer menosprezar o génio de Barthes, digo que, hoje, o suposto sacrifício intelectual valeu a pena porque duvido que na maioria dos livros haja prosa mais inteligente do que a série de movimentos e domínio de bola de Eden Hazard no lance do segundo golo que marcou contra a Tunísia. Se ele enviar um DVD com a gravação do golo para algumas universidades portuguesas, serão menos dez cadeiras que terá de fazer.
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