Nos últimos dias, a discussão sobre o sistema fiscal português voltou a marcar o debate nas redes sociais. Isto deveu-se à apresentação da proposta do partido Chega, que pretende implementar uma taxa única e fixa no IRS, algo que eliminaria a progressividade deste imposto, sendo, por isso, inconstitucional e impossível de ser aprovada. O partido Iniciativa Liberal tem também uma proposta de taxa única para o IRS, mas com uma isenção até um determinado valor de rendimento mensal, o que mantém a progressividade do imposto, embora a reduza de forma bastante significativa. Já os partidos de esquerda pretendem a introdução de mais escalões, de forma a aumentar a progressividade do IRS.
O sistema fiscal português é, de facto, demasiado complexo, apresenta vários problemas e necessita de uma revisão/reforma. O IRS tem sido o imposto mais discutido nos últimos tempos, devido aos seus problemas: elevadas taxas médias e extrema complexidade (muitas deduções, muitas isenções, etc.), contudo não é o imposto mais importante do nosso sistema fiscal. O imposto com maior peso na receita fiscal é o IVA.
O IVA representou 39% da receita fiscal em 2019 (mais 10 pontos percentuais do que o IRS) e, por essa razão, o debate sobre o sistema fiscal português deve começar por este imposto. Até porque o IVA tem um problema gravíssimo: é um imposto regressivo em relação ao rendimento, ou seja, os mais pobres pagam mais IVA do que os mais ricos.
O sistema fiscal português tem de ser construído respeitando o princípio da progressividade fiscal, ou seja, quem é mais rico deve ser tributado a uma taxa mais elevada do que quem é mais pobre, contribuindo, assim, para uma melhor redistribuição da riqueza, maior justiça fiscal e menos desigualdade social. Neste momento, quase 40% da receita fiscal provém de um imposto que viola este princípio.
A reforma do sistema fiscal é urgente e o debate deve começar pela seguinte questão: como introduzir a progressividade fiscal no IVA?
Vários economistas já tentaram responder a esta questão. Entre eles está John H. Cochrane, cuja proposta é a adoção de uma taxa única de IVA, por exemplo 40%. Depois o Estado devolveria a totalidade ou parte da taxa paga conforme o nível de consumo de cada família. Por exemplo, para os primeiros 250 euros consumidos num mês, o Estado devolveria a totalidade do imposto pago, dos 250 euros aos 500 euros seria devolvido 80% do imposto pago e assim progressivamente. Com um método deste género, a progressividade fiscal é assegurada, e há, ainda, um incentivo à poupança, que é essencial para o investimento futuro.
Esta é apenas uma das várias ideias que têm surgido para reformar o IVA e é importante debatê-las e encontrar o melhor e mais eficiente modelo para acabar com regressividade em relação ao rendimento deste imposto. Porque uma coisa é certa: não podemos continuar a ter um sistema fiscal onde praticamente 40% da receita fiscal tem como fonte um imposto regressivo como o IVA, que prejudica os mais pobres e beneficia os mais ricos.