Fico genuinamente ofendido quando leio ou ouço, de modo depreciativo, que “os portugueses” são isto e são aquilo. O isto e aquilo pode ser muita coisa, mas frequentemente é serem desonestos, preguiçosos, incapazes, inconsequentes, mal-educados, corruptos, criminosos, ou mesmo, e para sintetizar de uma forma prosaica… burros. O meu primeiro problema, com este tipo de caracterização dos portugueses é que eu sou… português. E não aprecio quando me diminuem. Segundo, não aprecio quando diminuem as pessoas de quem gosto. Os meus familiares e muitos dos meus amigos e colegas de trabalho, por exemplo, são portugueses. Trabalham honestamente todos os dias e são bons cidadãos.
Lembram-se do “vivemos acima das nossas possibilidades”? A complementar a inferiorização, temos frequentemente a cereja em cima do bolo destes discursos, que é a culpabilização. Ou seja: os portugueses têm coisas más, mas têm apenas o que merecem. Temos maus políticos, maus patrões, maus sindicalistas, corrupção, falta de civismo, banqueiros criminosos, claques de futebol violentas… e até um progresso económico fraco… porque… merecemos. Desculpem? Deixem-me clarificar uma coisa: eu não mereço nada disto. Trabalho muito e honestamente, todos os dias, e pago os meus impostos. Sou um bom cidadão e respeito os outros. E como eu, a maioria dos portugueses. Tão simples quanto isto.
Ah, mas alguns dir-me-ão: mas e aquele político? E aquele ato de violência? E aquele desvio de dinheiro? E aquela falta de civismo? E aquela burla? E aquele crime? E as capas de jornais? Pois muito bem, eu não conheço nenhum país, nem nenhuma sociedade, onde só haja perfeição. E onde não existam crimes, incompetência, pessoas desonestas ou simplesmente mal-educadas. O grande problema – e é isso que estes discursos de inferiorização e culpabilização fazem – é tomar a parte pelo todo. O problema é, assim, não chegarmos a focar a nossa atenção nos que falham realmente e ficarmos antes pela acusação superficial, de que todos os portugueses falham por natureza.
A quem serve a generalização grosseira de que a maioria dos portugueses são fracos? Àqueles portugueses que são, de facto, fracos, de alguma forma. A quem serve o argumento de que os portugueses são criminosos e corruptos? Exatamente! Aos que são, de facto, criminosos e corruptos. Assim naturaliza-se a corrupção e o crime e depois, ao fim e ao cabo, se somos todos corruptos e criminosos, então até nem vale a pena realmente lutar contra isto… porquê? Porque somos todos assim, não é? Não, felizmente, não somos.
Nós todos – diziam-nos – vivíamos acima das nossas possibilidades. Fomos irresponsáveis e tivemos de arcar com as consequências disso. Não houve realmente irresponsabilidade do político X, do banqueiro Y, do empresário Z ou do regulador W… não. Bem, talvez até tenha havido, pois de vez em quando surgem uns nomes na imprensa. Mas, ao fim e ao cabo, essas pessoas em concreto até… vá lá, nem falharam assim tanto… quem falhou realmente foram os portugueses. O discurso superficial que naturaliza tudo o que é mau, acaba sempre a responsabilizar os mesmos. Consequentemente, muitos erros e crimes concretos, e os nomes das pessoas que os cometeram, acabam por ficar em segundo plano, até irem desaparecendo da discussão pública e sendo esquecidos.
Mas há coisas que não dá para esquecer. São demasiado ofensivas. Em Maio de 2013, Ricardo Salgado afirmava que “… os portugueses não querem trabalhar e preferem estar no subsídio de desemprego.” Claro, eu percebo, os portugueses são fracos, burros e preguiçosos. É isso mesmo, Dr. Ricardo.
Cada um deve falar por si. Ou então, ser concreto nas convicções e críticas que possa ter. Ao generalizarmos e ao repetirmos superficialmente discursos que nos diminuem e culpabilizam — a todos nós, os portugueses — estamos a fazer um favor a quem, de facto, falha, comete crimes e torna o nosso país um lugar pior do que poderia ser. Não contem comigo para isso.