No dia 23 de Outubro de 2020 o Parlamento Europeu aprovou a nova Política Agrícola Comum, a conhecida PAC, para os anos de 2021 a 2027. Lemos as declarações proferidas depois das votações pelos Presidente da Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural e seus três relatores, um autoelogio aos regulamentos aprovados – no entanto, a realidade não é tão idílica.
Aquilo que vemos na nova PAC, que entrará totalmente em vigor já em 2022, após novas conversações entre o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão Europeia, é uma PAC de Bruxelas onde predomina a agenda ecocêntrica e onde se retira a primazia da dimensão económica agrícola. Seria antes a política agrícola e alimentar que deveria ter o primado da atenção, como vetor essencial para uma política de ambiente, de preservação e de revitalização.
É o paradigma do poder europeu, que se faz também repercutir em Portugal e que vemos, por exemplo, quando há uma constante transferência de competências e fundos do Ministério da Agricultura para o Ministério do Ambiente. Veja-se, como exemplos, o esvaziamento da Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária, ou ainda a fusão dos Fundos Florestal Permanente, do Fundo de Apoio à Inovação, do Fundo de Eficiência Energética e do Fundo para a Sustentabilidade Sistémica do Setor Energético, todos no Fundo Ambiental. Fica claro, o foco que vemos no atual Governo de Portugal, onde se dá a primazia ao Ministério do Ambiente sobre o Ministério da Agricultura, tanto em fundos orçamentais, em poder executivo e, ainda, em peso político ou comunicacional.
Sejamos objetivos, a política agrícola está a perder aquilo que sempre teve: uma importante dimensão dinamizadora da economia europeia. Face a isto, os interesses dos agricultores e dos consumidores precisam ser defendidos. A Política Agrícola Comum original foi estabelecida em 1962, e a sua última reforma data de 2013 como uma organização comum dos mercados dos produtos agrícolas, como política de desenvolvimento rural e como fonte de financiamento por pagamentos diretos aos agricultores. As regras atuais da PAC perdem força a 31 de dezembro de 2020 e precisamos todos de um novo acordo. Mas vejamos que, dos 387 mil milhões de euros orçamentados para esta nova PAC, foi votado que 35% vão para medidas de diminuição dos impactos da agricultura no clima e 10% para proteção da biodiversidade. Acresce, que serão feitos pagamentos diretos aos agricultores da produção biológica. Ou seja, praticamente metade do orçamento cai na chamada “Ambição Ambiental e Climática da PAC” e não nos objetivos primordiais do sector primário.
Esta posição tem o epicentro nos chamados ecorregimes. Os ecorregimes, já com pelo menos oito modelos previstos, configuram-se como uma nova intervenção política, inserida no primeiro pilar da PAC – a organização comum dos mercados. Tudo começou pelo Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA), a par do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER), e depois o sucessor do Fundo Europeu de Orientação e Garantia Agrícola (FEOGA). Os ecorregimes baseiam-se em práticas agrícolas que sejam benéficas para o clima e o ambiente e que devem responder aos três objetivos ambientais específicos definidos, relativos às alterações climáticas e à energia sustentável; desenvolvimento sustentável e gestão eficiente dos recursos naturais; a proteção da biodiversidade, serviços de ecossistemas, a conservação de habitats e paisagens. Mas a agricultura clássica não fez sempre exatamente isto?
Esta vontade política do avanço para um paradigma de agroecologia irá, na verdade, significar um efeito contrário ao espírito fundacional da PAC. Só aquele agricultor que tenha fortes recursos financeiros irá conseguir implementar processualmente os ecorregimes, ao contrário dos pequenos e médios agricultores, que irão desistir face a mais exigências burcocráticas. Pese embora, serem os pequenos agricultores os mais respeitadores da ecologia, na realidade do terreno rural. A este fator adiciona-se a posição do Parlamento Europeu quanto aos pagamentos redistributivos, onde passa a não ser efetiva a redução progressiva dos pagamentos para a grande agricultura industrial das grandes explorações, pois os Estados-membros vão optar por não colocar tais limites, beneficiando os grupos agroindustriais alimentares.
As ajudas devem chegar a quem são destinadas, a quem mais precisa, aos mais sustentáveis, aos que geram mais empregos e àqueles cujas práticas são mais benéficas para o meio ambiente e para o território; e esses são, e sempre foram, os da agricultura e pecuária familiares.
Adivinha-se, mais uma vez, que a elegibilidade dos investimentos será ainda para as grandes infraestruturas agroindustriais de regadio, aliás, como se vê já no Orçamento do Estado português no Programa Nacional de Investimentos (PNI) 2030, que prevê a aplicação de 750 milhões de euros no regadio para aumentar a área regada.
Há, simultaneamente, uma falsa notícia oficial de os ecorregimes não serem obrigatórios. Na verdade, é como se fossem mesmo obrigatórios, pois custará a cada agricultor a perda de 20% do que estão atualmente a receber da CAP, podendo mesmo, até, chegar a 30%, dependendo do corte no orçamento final. As perdas desta ordem de grandeza nunca serão compagináveis com a manutenção da competitividade e da viabilidade nos agronegócios menos robustos – os pequenos agricultores com enorme expressão em Portugal. Estes deveriam sempre ser protegidos, pois isso tem efeitos bilaterais muito positivos. Para além de sustentarem a economia local e a promoção do que é nacional, existirá uma contribuição geral para o ecossistema, a paisagem, o ordenamento do território, a prevenção dos fogos rurais e a fixação populacional fora das cidades.
A PAC sempre teve um efeito muito marcado na vida e na economia nacional. Na Europa, sabemos que, em valores reais, a indústria agrícola pesa 1,1% do PIB UE-28, mas em Portugal, representa 1.7% do PIB, sendo o 10.º país com valor mais elevado; e, além disso, emprega 7% do total da população empregada, um valor mais alto em comparação com a média de 4,1% da UE-28.
Ainda existe, agora, margem para que estas orientações adotadas pelos Estados-membros sejam negociadas com o Parlamento Europeu, mas os nossos eurodeputados necessitam fazer isso até ao início de 2021, com vista à entrada em vigor deste acordo em janeiro de 2023. Os que acordaram esta PAC esquecem que quem trabalha a terra deseja e aspira, em primeiro lugar, vender e escoar o que produz, mesmo que em pequenas quantidades, por um preço justo.
Nesta PAC não existe qualquer certeza num nível adequado de subsidiariedade aos apoios efetivos para estes pequenos produtores. Estes acordos deveriam atingir, primordialmente, a promoção da verdadeira soberania alimentar dos povos e das regiões – a necessidade humana da boa agricultura e pecuária é a alimentação. Lembremos que o défice alimentar em Portugal continua a ser dos mais altos da UE-28, 10% do total das nossas importações são agrícolas, sendo o 4º setor que mais importa. Isto significa que dependemos dos outros países para nos alimentarmos. Os apoios públicos da PAC deveriam almejar em ajudar efetivamente a pequena e média agricultura familiar, aumentar os rendimentos das populações do interior que subsistem da agricultura familiar e, ao mesmo tempo, respeitar a natureza pela via da verdadeira conservação.
As novas diligências no Parlamento Europeu precisam ser regidas pelo sentido patriótico na defesa da agricultura portuguesa e da nossa agroindústria, pois estas contribuem significativamente para a dinamização da economia portuguesa. As palavras de ordem prementes para a aplicabilidade da PAC 2021-27, em Portugal, devem ser Produtividade para alimentarmos o país, e Exportação para obtermos riqueza.