Péricles
No presente ano lectivo, na melhor cadeira de todo o meu curso, tive o prazer de estudar A História da Guerra do Peloponeso. O clássico é um relato do historiador e general ateniense Tucídides, sobre a guerra entre Atenas e Esparta, que envolveu todo o mundo helénico entre 431-404 a.C. Era comum em Atenas, em tempo de guerra, haver um elogio fúnebre anual para os militares mortos em combate. Conta Tucídides que, no fim do primeiro ano, essa honra coubera a Péricles. No seu discurso, este começara por abordar a dificuldade que era traduzir em palavras as honras que estes homens caídos por defender a sua pátria mereciam. Prosseguira com um elogio aos antepassados atenienses, que tinham construído o império ateniense, ao seu estilo de vida e forma de governo – a democracia –, e, por fim, acabara a incentivar os vivos ao combate e glorificava o orgulho que as mães e as mulheres deviam ter dos seus filhos e maridos guerreiros.
É no elogio à democracia e à forma de vida ateniense que me agora me fixo. Péricles afirmava naquele discurso que aqueles homens eram exemplo para os outros Estados, que estes copiavam as suas leis e a forma de se governarem, e, elevando a democracia à heroicidade, afirmava o seguinte: “Porque, diferentemente de qualquer outra nação, não dizemos que um homem que não se interessa pela política se limita a meter-se na sua vida. Dizemos, sim, que é um inútil.”[1] Nós, que nos dizemos herdeiros do espírito democrático grego, onde está este orgulho e força nesta forma de governo? Será que foi perdido durante os séculos?
25/04
Sendo ainda muito jovem, não vivi no tempo do Estado Novo. Mas, uma das coisas que os mais velhos me falam é a falta de liberdade no que ao voto tocava. A revolução de 25 de Abril de 1974 veio trazer essa liberdade, veio dar o direito de voto ao povo português, veio dar a liberdade de um parlamento pluralista e pluripartidário.
O direito que custou a vários a ser conquistado, mas que parece que o povo português não quer exercer, ignorando a larga escala as eleições democráticas. Para onde foi a vontade de votar e de decidir quem nos governa? O sofá fala mais alto?
Lage
No passado dia 18 deste mês, o Benfica sagrou-se campeão de futebol em Portugal. Na festa do título, Bruno Lage, treinador dos encarnados, saudou os jogadores e os adeptos, agradecendo o seu apoio. Mas, no fim do seu discurso, fez algo inesperado: relativizou o valor do futebol.
Afirmou que há coisas mais importantes na vida e fez um pedido aos benfiquistas. Pediu que a exigência que têm para com o futebol, e em particular para com o seu clube, a tenham também com o seu país, que se unam e defendam causas verdadeiramente importantes, como a saúde, a economia, ou a educação, acreditando que ao fazerem isto tornam Portugal um país melhor. Acabou enaltecendo os valores que Portugal perdeu, mas que devia ressuscitar. Será o voto um desses valores?
Abstenção
Muita gente ficou indignada com a quantidade absurda de abstenções nestas últimas eleições europeias: quase 70%. Mas isto em Portugal não é novidade. Nas eleições legislativas de 2011, quando Portugal mergulhava numa crise gravíssima, a abstenção foi de 42%; e em 2015 foi de 45%. Nas autárquicas de 2013, foi de 42%; e em 2017 de 46%. Nas presidenciais de 2011, foi de 54%; e em 2016 de 52%, o que significa que o nosso Presidente da República, o Chefe de Estado, o maior representante de Portugal e do seu povo, foi eleito por menos de metade dos eleitores. Na prática, Marcelo Rebelo de Sousa representará apenas 24,75% do eleitorado.
Esta abstenção devia pôr muita coisa em causa. Por exemplo, o nosso passado. Pelos vistos, os portugueses não querem saber se votam ou não. Ou os partidos políticos não representam em nada a população, ou o nosso regime está a morrer de podre. Ou, de facto, somos só preguiçosos.
Alguma coisa está errada; e tanto a sociedade civil como os partidos deviam refletir sobre isso.
José Maria Bleck é estudante de ciência política e relações internacionais da UCP