Esta coisa do Brexit pôs-me me a pensar na minha nacionalidade. Sobre o referendo britânico em si, tenho pouco a dizer para já, além do facto de, tal como no referendo escocês, achar que há demasiada xenofobia a condicionar as opiniões, o que é triste.
Mas desde que o referendo se tornou uma possibilidade, perguntaram-me muitas vezes o que faria com a minha nacionalidade, se o Reino Unido optasse pela escolha mais estúpida, saísse da União Europeia, e eu tivesse de arranjar outro passaporte para poder permanecer em Portugal.
Obviamente, não vamos chegar a esse ponto porque, em primeiro lugar, não acho os britânicos, xenófobos ou não, assim tão malucos para saírem da União Europeia. E porque, se o Reino Unido por acaso sair, haverá, quase de certeza, uns acordos e sistemas para que os portugueses possam ficar no Reino Unido e os britânicos em Portugal, sem que ninguém tenha de recorrer a mudanças de nacionalidade ou a deportações.
Mas se não fosse assim? E se eu tivesse mesmo de escolher? E se a minha única hipótese de permanecer em Portugal dependesse de eu mudar a minha nacionalidade? Mudaria, ou voltaria ao Reino Unido?
Nunca dei grande importância à questão da minha nacionalidade antes de sair do Reino Unido. Nunca tive muita consciência de ser britânica enquanto vivi lá. Foi cá, em Portugal, que percebi, a cada hora de cada dia, que era absolutamente britânica. Estrangeira e britânica. Sou britânica não por causa do meu passaporte, mas porque nasci e cresci no Reino Unido. Mas agora, que já passei um terço da minha vida em Portugal, estarei diferente?
Ao início, tive essa ideia que muitos imigrantes britânicos têm, de Portugal ser uma espécie de segunda casa, uma casa de campo, e que um voo de duas horas me levaria mensalmente para a minha primeira casa, na Grã-Bretanha. Pensei que ia dar regularmente um salto a Londres, ver os meus amigos, mostrar-lhes as minhas filhas, e manter a sensação de que o meu lugar era lá.
Essa ideia durou cerca de seis semanas. Estava cá e gostei, tinha uma bebé pequena, e depois outra, que me consumiam todo o dia e toda a concentração. Detesto voar, o que também ajudou ao meu distanciamento da Grã-Bretanha, mas talvez não chegue para o explicar. Afinal, não precisava ou não queria dar regularmente esse salto até à terra de origem, e entretanto, as coisas por lá foram mudando, como acontece sempre com a nossa terra quando a gente está fora. Pessoas saem, vidas mexem, filhos nascem, casas são trocadas e as vidas que tínhamos quando saímos já lá não estão quando voltamos para um fim de semana.
Quanto mais penso na minha nacionalidade, menos a acho importantíssima para mim, o que é capaz de soar como uma grande heresia para certas pessoas. Mas ao longo dos anos, a minha lealdade ao país donde vim esbateu-se. Não, nunca vou ser portuguesa. Precisava de ter passado aqui os primeiros 30 anos da minha vida para que isso fosse possível. Nunca vou ter as referências de uma infância e juventude portuguesas, nem 100% de fluência na língua, nem uma vida de leituras em português. Mas também nunca mais vou ser 100% britânica outra vez.
A minha família britânica ainda vive no Reino Unido, mas quase nada do que me pertence está lá, além do meu passado. Tudo o resto está aqui: a minha família, o meu trabalho, os meus amigos, o meu futuro, a minha vida. Não estou a planear voltar a viver no Reino Unido. Sou uma pessoa diferente, adaptada a outras coisas, e o Reino Unido já me parece um país estrangeiro. As minhas novas raízes estão cá, em Portugal. Assim, se isso estivesse mesmo em causa, será que permaneceria oficialmente britânica?
Uma nacionalidade dupla ou híbrida de “brituguês” seria gira, mas isso não vai acontecer, a não ser num futuro distópico, onde os britugas entrassem numa guerra contra os americanceses ou os japonleses.
Quando as pessoas começaram a fazer-me perguntas sobre sobre a eventualidade de eu um dia ter de optar entre Portugal e o Reino Unido, considerei a questão difícil de responder, por recear perder automaticamente a minha terra mãe, a minha bandeira, o meu passaporte, e porque desde sempre dei muita importância a essas coisas. Mas agora, não tenho tanta certeza. Vou tratar de produzir um passaporte “brituga” caseiro. Para quaisquer eventualidades.
(Traduzido do original inglês pela autora)
To belong.
The whole Brexit thing makes me think a lot about my nationality. About Brexit itself, I have little to say for now, apart from the fact that, just as I felt with Scotland referendum, I think there’s a whole lot of xenophobia colouring opinion, and that’s just sad.
Since the question first came up a while ago of the possibility of a referendum, I have been asked many times what I will do with my nationality if Britain does the stupid thing and leaves.
Of course, it won’t come to that, because firstly, I don’t think the British, xenophobic or not, when faced with the serious question of whether to stay or go, will (be insane enough to) say go, but if she does leave, there will almost certainly be agreements and systems for the Portuguese to stay in Britain and for the British to stay in Portugal, without resorting to nationality changes or deportations.
But what if.
What if I was made to choose? What if my only option to stay in Portugal was to change my nationality? Would I change my nationality, or go back to Britain?
This business of nationality is something I only ever gave any serious thought to after I had left the UK. Before that, I hadn’t considered myself as being anything in particular. Once here, it was made quite plain, every hour of the day, that I was most certainly British. Foreign and British. I am British not because of my passport, I’m British because I was brought up there. But now that I have spent a third of my life here, what am I now?
At the beginning, I had that idea that many English immigrants have, of this being a second home, that a two hour flight is a monthly commute. I thought that every so often I’d pop over to London, see my friends, show off my babies, or leave them with the in-laws for a couple of days, and still feel like I belonged there.
That idea lasted about six weeks. I was here and I liked it and I had a tiny baby, and then another, who took all my time and concentration. I hate flying, which helped, too, but that’s not enough to explain it. I didn’t need or want to pop over there, and things change while you are not there. People drift away, everyone’s lives move on, children are had, houses are moved and the lives we had when we left aren’t there when we go back for a weekend.
The more I consider it, the less I consider my legal nationality as terribly important, which might, to some, sound like one of the worst heresies. As the years go by, my allegiance to that country fades. I’ll never be Portuguese, I missed the first important 30 years for that. I’ll never have those essential early references, the 100% language fluency, the lifetime’s reading in Portuguese, but I’ll never be British again, either.
My British family remains in Britain, but almost nothing else of mine is there, apart from my past. All the rest is here, my family, my work, my friends, my future, my life. I’m not planning on ever living in Britain again. I’ve already become so different, attuned to different things, that it feels like a foreign country to me, and my new roots are here. So why would I, if push came to shove, remain British?
Dual nationality or hybrid nationality of Britugish would be nice, but that isn’t going to happen except in a dystopian future, where the Britugas are at war with the Ameriquench and the Japanglish.
When people started to ask me this question a year or so ago, I considered it a difficult question to answer, automatically fearing the loss of my “mother country”, my flag, my passport, because they were always of the greatest importance, and always given the greatest importance. Now, though, I’m not so sure. I’ll make my own Brituga passport, now, just in case.