Um dos objetivos prioritários do sistema de segurança social é promover a melhoria sustentada das condições dos níveis de proteção social e o reforço da respetiva equidade. É amplamente aceite que uma sociedade deve garantir um mínimo social a todos os seus membros particularmente os idosos. No entanto, a organização da proteção social na União Europeia (UE) é insuficiente para proteger eficazmente todos os europeus contra o risco de pobreza e exclusão social. Portugal infelizmente não é a desejável exceção dos Estados Membros. Pela sua utopia rejeitamos de imediato, como solução, o RBI (Rendimento Básico Incondicional).
Entre os Estados Membros e na própria UE, não obstante a permanente profusão demagógica que lhe está associada, em grande parte proveniente dos decisores políticos, existe o consenso de que a assimetria, social e económica, é algo que requer solução e por inúmeras vezes conduz a um desajustado equilíbrio, comprometendo a equidade social e sobretudo intergeracional na assunção da responsabilidade do sistema de Segurança Social. Porém, a política de desigualdade no seio da UE e nos Estados Membros é estrutural e notoriamente complexa, não raras vezes, contestada, não por insuficiência legislativa, em Portugal, vasta, mas sim em grande parte por incumprimento legislativo e das recomendações especificas da Comissão Europeia por parte dos governos, ainda que se possa aceitar como justificação a atenuante de estarmos perante uma prática legislativa cada vez mais complexa e densa.
A este propósito atente-se por exemplo o que recentemente ocorreu com a não publicação da Portaria que contém os coeficientes de atualização das remunerações utilizadas para o cálculo das pensões dos trabalhadores que pretendam reformar ou aposentar no corrente ano (2024). Não foi publicada pelo anterior Governo, em claro incumprimento da lei que prevê a sua publicação no início do ano, permitindo assim a sua aplicação a todos os trabalhadores que eventualmente pretendam reformar ou aposentar a partir de 01/01/2024. O atual Governo recentemente procedeu à publicação em 20/06 desta portaria (n.º 170/2024/1), produzindo efeitos retroativos de 1 de janeiro a 31 de dezembro de 2024.
O incumprimento legislativo por parte dos governantes, incompreensível num Estado de Direito Democrático, sem que nada lhes aconteça, presta-se a diversas abordagens e perspetivas interligadas entre si, e aqui desde logo realçamos o desfasamento existente entre o que conceptualmente os políticos apresentam nos programas eleitorais respetivos, por vezes o próprio legislador nas leis, e aquilo que realmente ocorre na vida das pessoas, particularmente as mais desfavorecidas, com poder de aquisição real mínimo, onde se insere um numero significativo de pessoas idosas, se levarmos em conta o aumento hoje, da esperança média de vida, que não pode significar um constrangimento orçamental para o país, e paralelamente o efeito cumulativo da diminuição da mortalidade e da natalidade que tem-se traduzido, em Portugal, no progressivo envelhecimento da população, com dignidade.
O Governo liderado pelo Dr. António Costa, futuro Presidente do Conselho Europeu, que internamente teve um desempenho enquanto primeiro ministro, para muitos, no mínimo questionável, por dois anos consecutivos, 2020 e 2021, igualmente incumpriu, quando apresentou fora do prazo o Decreto-Lei da execução orçamental, que estabelece as disposições necessárias à execução do Orçamento do Estado, e em obediência ao princípio da anualidade orçamental deve ser apresentado anualmente, merecendo então, reparos institucionais por parte do Presidente da Républica e da Presidente do CFP.
A dignidade meramente normativa é questionável
É preciso não esmorecer a dignidade das pessoas com carências especiais, como são os reformados, pensionistas e idosos, tornando-as reféns da dignidade meramente normativa que reflete em última análise o juízo político sobre as necessidades consideradas elegíveis na alocação de recursos para políticas sociais de velhice. A vida não se esgota numa formulação teórica de boas intenções, é necessário concretizar.
Desde logo, o foco nos requisitos funcionais na provisão direta de recursos por parte do Estado, revela tão-só o que os decisores políticos pensam ser adequado para implementar políticas públicas com sucesso no âmbito do combate à pobreza, exclusão social, diferenciação positiva, maximizando a resposta do sistema de Segurança Social. A lacuna existente na concretização dos requisitos considerados desígnios, que abundam nos programas do Governo e a realidade é por vezes tremendamente gritante, realçando-se a necessidade de se mitigar ao máximo a diacronia aqui latente, assente necessariamente na tensão existente nas duas realidades, Governantes e Governados, constituindo esta dicotomia um caminho propicio para populismos. Ou seja, os requisitos funcionais contemplados pelos políticos nem sempre estão consonantes com a premência das necessidades dos cidadãos, que precisam de soluções concretas e imediatas, alinhadas com as suas dificuldades quotidianas.
Pelo contrário, verifica-se em muitos casos que esta discrepância entre as duas realidades é caracterizada por uma acentuada despromoção do bem-estar e coesão sociais, com consequente erosão do Estado de bem-estar social (Welfare State), tal como ele se desenhou nas generalidades dos países europeus após a II Guerra Mundial, contexto em que, como sabemos o Estado assume a provisão direta da generalidade das políticas públicas sociais, a educação, saúde, segurança social, habitação, etc., em que não pode nem deve ser refratário, escudando-se nos constrangimentos orçamentais, ainda que o próprio BCE chame a atenção para a fragilidade que já se vislumbra das economias do países da zona Euro.
As nossas ações revelam o grau de interesse que suscita em nós um determinado objetivo. Deseja-se que o atual Governo, não desfaleça os objetivos a que se propôs e siga os seus desígnios neste particular, não de forma circunstancial, mas com a convicção de que não pode falhar. É importante que adote esta postura como identidade duradoura, e compreenda que o valor das suas ações não consiste apenas na clareza com que se expõe, mas também na resolução das dificuldades dos portugueses com “obras”, resolvendo assim questões concretas das suas vidas.