Quando oiço e leio na comunicação social nacional, jornalistas, ministros, políticos, presidentes de associações de solidariedade social, falarem nos carenciados fico arrepiada, revoltada, indignada. Todas estas pessoas importantes dizem com grande pompa e circunstância que vão ser dados milhões e mais milhões para acabar com a pobreza, com os sem-abrigo, que se vão contratar mais “recursos humanos”, abrir mais serviços. Mas os ditos carenciados não param de crescer em número e em necessidades: alimentos, trabalho, formação profissional actualizada, habitação, transportes, capacitação em novas tecnologias, etc., etc. E, veja-se só, contrataram-se milhares de médicos e de pessoal para a saúde e as administrações e direções hospitalares não conseguem fazer funcionar as urgências hospitalares!
Paralelamente os conceitos que existem sobre carenciados são estáticos, obsoletos. No Parlamento diz-se: “vejam lá o Estado até dá subsídios a uma família que tem um Mercedes à porta”. Eu entreguei alimentos todas as semanas, durante meses, à família de um engenheiro que, com a crise de 2008-2013, perdeu o trabalho porque a empresa de construção civil faliu, a mulher professora não conseguiu colocação, têm 4 filhos todos a estudar, estavam a comprar a casa e passaram a ter dívidas ao Banco e tinham um Mercedes à porta! Até às vezes iam buscar os géneros de automóvel! E só não podiam receber o Rendimento Social de Inserção por terem bens em nome próprio. Mas como não se deu só esse tipo de ajuda, essencial naquele momento, a família reorganizou-se e foi ela que dispensou o apoio social.
Há políticos e até a sociedade em geral que dividem a nossa população em ricos e carenciados. Capitalistas e operários, esquerda e direita. Até os Chefes de Estado dos EUA dizem: “os bons e os maus”. Entre nós, há que acabar com os capitalistas, com os ricos, para resolver o problema dos carenciados. Nada mais simples. É só fazer.
Trabalhei uma vida inteira com carenciados de muita natureza. Um dia fui abordada por uma jovem jornalistas que me perguntou: “Quantos pobres existem na Madeira? Como acabar com a pobreza, que fazer?”
– “O mais importante, disse eu, é diminuir a produção de pobreza. Que fazer? Trabalhar com eles, para eles e por eles; aumentar a sua autoestima, a sua dignidade”.
A jornalista achou que eu não a tinha ajudado. Estava no início da sua promissora carreira.
Se estivermos face a uma situação de emergência, é óbvio que há que trabalhar “por eles”, mas sempre com eles, há que lhes dar tudo o que faça falta a uma sobrevivência, mas salvaguardando sempre as situações que lhes retirem ainda mais a sua dignidade. A partir da emergência é trabalhar cada vez mais “com eles”, para saírem de situações que fazem endoidecer, que maltratam a condição humana. É identificar “com eles” as potencialidades de cada pessoa, das famílias, da comunidade e dos seus organismos e promover-se um trabalho em rede. E “para eles” minimizando, corrigindo os fatores que produzem pobreza e criando serviços que os ajudem a sair das dificuldades com que lutam. Que os ajudem a dar o “pulo”.
E será aceitável que uma pessoa nasça, cresça e morra na pobreza? A sociedade, o Estado, as autarquias, os voluntários ficam muito satisfeitos porque, ao longo de anos e anos, despejaram milhões nas mesmas pessoas, no mesmo tipo de carenciados? Cada vez mais carenciados.
Senhor Dr. António Costa por favor resolva alguns problemas, melhore todos os serviços, dê outra qualidade ao funcionamento do Estado, diminua o número e o sofrimento dos carenciados. Os milhões de euros fazem falta, mas também é preciso quem saiba fazer. Dê mais dignidade ao nosso País.