A adesão ao trabalho remoto total, frequentemente celebrada como solução definitiva para a conciliação entre a vida profissional e pessoal, camufla enormes aspetos negativos, e substantivos, sobre os quais raramente se discute abertamente, muitas vezes por receio de represálias, tanto no âmbito corporativo quanto nas redes sociais. Essa hesitação surge da pressão para aderir a uma narrativa socialmente aceitável que desencoraja a divergência de opiniões. Então e a minha opinião? És velho, apenas! Ficaste lá atrás. Pois sim! Velho, mas com direito a opinião.

A migração para o trabalho remoto total tem demonstrado um impacto profundo na diluição da cultura corporativa e na dificuldade de manter estratégias organizacionais eficazes.

Embora alguns afirmem uma maior produtividade individual em casa, e o “cada caso é um caso” (como se fosse fácil a uma empresa ter o cada caso é um caso), vários empresários e vários estudos questionam se esses ganhos individuais realmente contribuem para o sucesso coletivo da empresa.

A ausência do ambiente físico e de proximidade compromete a cultura organizacional, essencial para a identidade e coesão da empresa, além de prejudicar a formulação e implementação alinhada de uma estratégia. A malta ligada às tecnologias tem tendência a achar que o seu é o único tipo de trabalho no mundo e por isso não parece errado pensar que “existo eu e eu estou bem assim”. Esquecem até que, qualquer que seja a forma como lhes chega a rede de dados e a energia elétrica a casa, implica todo um trabalho absolutamente presencial.

O afastamento do convívio físico leva a um enfraquecimento dos valores, rituais e práticas que fortalecem a cultura empresarial. Encoraja-se um isolamento que, apesar de confortável, distancia os colaboradores das experiências compartilhadas e das dinâmicas interpessoais que ocorrem naturalmente no ambiente de trabalho presencial. Sai-se para ir ao ginásio, mas não se pode sair para visitar a empresa. Sai-se para ir ao psiquiatra, mas não se pode almoçar e fazer uma reunião na empresa. Os paradoxos somam-se. Enquanto isso, a toma de antidepressivos e de sedativos subiu a um número jamais visto.

Neste cenário de trabalho à distância, a vitalidade da interação humana, que floresce em conversas informais e reuniões face a face, é substituída por uma comunicação digital fria e impessoal. Isso não só afeta a transferência de conhecimento tácito e a formação de laços, mas também diminui o sentido de pertença à empresa. E há um aspeto fabuloso nisto tudo: “eu socializo com quem quero e escolho; na empresa tenho de socializar com quem me impõem”. Quem diz isto tem um profundo desconhecimento da natureza humana, da vida social e das relações entre pessoas. Jamais pode lidara alguém. É natural que desconheça a pessoa enquanto pessoa e, pior, que se desconheça a si mesmo enquanto pessoa: self awarness.

As lideranças, centrais pela sua capacidade de inspirar e orientar, veem-se diminuídas a meras imagens de ecrã e telefone, perdendo a eficácia na construção de confiança e na orientação efetiva de suas equipas. Sem leitura corporal é muito complexo ler alguém na sua totalidade.

A inovação, outro quid pro quo essencial para o crescimento e adaptabilidade da empresa sai, também, prejudicada, uma vez que a geração de ideias inovadoras prospera muito melhor na interação casual e na diversidade de perspetivas, algo que o ambiente virtual limita severamente. “Encontramo-nos no teams às 16h para inovar”. Boa!

Em resumo, não nego algumas das vantagens que possam certas pessoas (muito poucos casos), em particular, sentir com o remoto total. Porém, o trabalho remoto total não representa a solução ideal. O homem é um ser social. Os “programadores” que hoje gritam dos vários cantos do mundo que são livres serão substituídos por no coders. Os nómadas digitais serão apenas nómadas. Mas só. E uma novidade ainda: os EUA já estão a pagar em média 40% mais a quem queira ir para o escritório trabalhar. E têm tido sucesso. E daqui a pouco pagarão 100% mais sendo irrelevante o salário de quem quer ficar em casa.

Bom que se pense como chega a comida ao supermercado ou a casa, bom que se saiba como funciona um chão de fábrica, uma propriedade agrícola, uma escola ou universidade, como a galinha põe ovos, como o fiambre é feito e cortado, como o lixo é levado para aterros ou como é possível almoçar num restaurante ou pernoitar num hotel.

Mas, melhor que tudo, é bom que se aprendam a dar abraços às pessoas, dizer bom dia e tarde e agradecer de viva-voz. Que se cantem os parabéns ao nosso colega de trabalho, lado a lado. E é bom, sublime, que tenhamos de trabalhar com pessoas que não gostamos. Porque só assim seremos melhores e nos superaremos no que resta de nós: a nossa humanidade.