Portugal necessita, urgentemente, de uma estratégia que promova o crescimento, aumente a competitividade e melhore a produtividade do país. Somos a 39.ª economia mais competitiva do mundo, segundo o ranking mundial da IMD que, entre outras reflexões, destacou a necessidade de o país encorajar mudanças “que possam promover serviços públicos de qualidade”. Mas que mudanças podemos implementar?
Desde logo, o desafio passa por transformarmos o nosso setor público num setor público digital por excelência. Para concretizar tal aspiração, teremos de ser capazes de criar uma estrutura de governança sólida que, a meu ver, se deverá materializar na constituição de uma Agência Digital Nacional, responsável por elaborar e implementar uma Estratégia Nacional de Digitalização que não só seja aplicada em todos os organismos públicos, como nos escalões de liderança do governo até às entidades e funcionários públicos – onde Chief Information Officers e Chief Digital Officers deverão reportar diretamente ao dirigente máximo desta agência, seguindo diretrizes claras sobre os objetivos e as metodologias a serem adotadas.
A missão desta agência deve ser a de abordar este e outros desafios tangíveis da sociedade com determinação e precisão, definindo estratégias e prioridades, que levem ao desenvolvimento e implementação de soluções digitais que beneficiem todos, sem exceção. Aqui, a premissa será conseguir identificar os problemas sociais que enfrentamos e perceber como as inovações digitais, em particular a Inteligência Artificial (IA), podem ser forças capazes de impulsionar a modernização administrativa, facilitando, assim, a vida de cidadãos e empresas. Além de sublinhar a inclusão – em que todos devem ter a oportunidade de participar plenamente na sociedade, independentemente do seu nível de competência digital – e a priorização do desenvolvimento de competências digitais ao longo da vida, destacaria três grandes pilares que devem estar refletidos numa futura Estratégia Nacional de Digitalização:
1.Serviço público coerente e consistente nos múltiplos canais: Os serviços públicos digitais devem ser consistentes, de fácil utilização, e capazes de se adaptar ao contexto específico de cada cidadão ou empresa. O princípio de “Only Once” deve ser estabelecido como uma prática padrão, em que o governo troca dados entre as várias entidades públicas, eliminando a redundância dos cidadãos terem de fornecer a mesma informação várias vezes e proporcionando-lhes uma experiência consistente, independentemente do canal de interação. Um setor público unificado exige uma abordagem baseada em dados, que promova um atendimento mais personalizado.
2.Experiência eficiente e humanizada: É imperativo que o governo lidere a digitalização do setor público com uma abordagem “Digital First”, utilizando a tecnologia e os dados de forma estratégica. Isso implica uma reavaliação dos métodos de prestação de serviços, onde a tecnologia se torna uma componente fundamental das estratégias operacionais. Neste contexto, diria que só é possível modernizar e humanizar o Estado se soubermos como tirar partido de ferramentas como a IA, seja, por exemplo, para processar e analisar automaticamente dados, integrar transcrições em tempo real, melhorar a inclusão social através do reconhecimento de fala ou até para ter maior acessibilidade com a implementação de soluções para interação ininterrupta com o serviço público. Ao recorrermos à tecnologia para estas e outras ações, como interações de pouco valor acrescentado ou repetitivas, conseguimos libertar o humano para as interações mais complexas ou de maior valor acrescentado.
3.Infraestrutura de classe mundial resiliente e segura: Para que tudo isto seja possível, é necessário existir uma transformação revolucionária no mundo dos serviços em cloud, na medida em que a sua adoção poderia reduzir significativamente os gastos de capital e acelerar o lançamento de novos serviços e aplicações, enriquecendo a experiência dos cidadãos. Neste contexto, a Agência Nacional Digital desempenharia um papel crucial, uma vez que ficaria responsável por liderar esta abordagem, iniciando sinergias público-privadas para ofertas de cloud híbrida, além de utilizar entidades apoiadas pelo Estado para cumprir os requisitos de residência de dados.
Simultaneamente, e num cenário de ciberameaças, é fundamental que esta infraestrutura priorize a proteção, desde órgãos governamentais locais a centrais, estendendo-se a cidadãos e empresas, a partir da adoção de um modelo de segurança Zero Trust. Já neste contexto, a agência supervisora teria a responsabilidade de aplicar políticas de segurança robustas e manter a conformidade com as diretivas da União Europeia (NIS2 e RGPD), salvaguardando a integridade digital da nação.
Em paralelo, que pode também ser uma das consequências da criação desta agência e da aplicação destes pilares, não posso deixar fora da equação a transição verde e o bem-estar dos colaboradores do setor público, num compromisso com ações tangíveis que vão além da retórica, e que objetivem uma melhor gestão ambiental e a promoção da eficiência e bem-estar dos funcionários públicos. Ao investirmos num setor público digital, estamos a permitir que um largo número de serviços e funcionários possa adotar um modelo de trabalho flexível, que não só permite reduzir a pegada de carbono e ter impacto na habitação, na medida em que conseguimos ter uma maior coesão territorial, como conseguimos atrair e reter mais talento jovem que procura cada vez mais a flexibilidade laboral e equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. É neste contexto, que não posso deixar de mencionar o papel que a IA também pode ter.
Portugal está a posicionar-se como líder na transformação digital do setor público, colocando as necessidades e experiências individuais no centro desta mudança. Através da criação de uma Agência Nacional Digital e da implementação de uma Estratégia Nacional de Digitalização, poderá mesmo impulsionar esta transformação a todos os níveis governamentais. No entanto, o investimento no desenvolvimento de competências digitais para o setor público, tanto para a força de trabalho atual como para a futura, bem como a agilização do processo de contratação pública, pois um sistema de aquisição lento e desatualizado pode atrasar o progresso e tornar a tecnologia obsoleta antes mesmo de ser implementada, são duas áreas cruciais para o sucesso desta estratégia.
A modernização digital do país não deve ser uma reflexão tardia, mas uma prioridade. E é com esta visão que idealizo um país onde a tecnologia e a humanidade se unem para tirar partido da IA e para criar um setor público eficiente, e onde cada cidadão beneficia de uma infraestrutura de classe mundial, serviços resilientes e uma experiência personalizada e humanizada.