Quando em 2019 a Microsoft anunciou um investimento milionário na empresa OpenAI, os media faziam ecos da notícia justificando-o com a busca por um “cálice sagrado na Inteligência Artificial”. Longe se estaria, então, de imaginar o impacto que a materialização desse investimento teria três anos e meio depois, quando a parceria foi renovada em Janeiro de 2023. Poucos antecipariam também, então, que o ChatGPT se tornaria, agora, a aplicação de consumo da história que mais rapidamente iria atingir os 100 milhões de utilizadores. Só se passaram dois meses, mas a velocidade a que vemos surgir casos de aplicação em diferentes indústrias, países e clientes é próprio de uma revolução sem precedentes.

O hype com estes grandes modelos de linguagem é bem real, legítimo e é apenas a face mais visível de algo ainda melhor a surgir nos próximos tempos – a aplicação em use cases reais de soluções assentes em Inteligência Artificial nas nossas instituições. Veja-se por exemplo um dos primeiros projetos comunicados publicamente em Portugal – o GPJ, Guia Prático da Justiça, anunciado pelo Ministério da Justiça – e que começa a responder a cidadãos já este mês, depois de ter sido criado em tempo recorde.

Os sistemas de Inteligência Artificial alimentados por grandes modelos linguísticos já estão a transformar a forma como as pessoas trabalham e criam – desde a geração de linhas de código para developers (Codex) ou a desenvolver imagens a partir de prompts em linguagem natural (Dall-E). Nos próximos tempos podemos esperar uma expansão destes serviços em sofisticação e escala – e o objetivo não é menos ambicioso: usar uma das tecnologias mais disruptivas dos últimos anos para nos ajudar a enfrentar alguns dos maiores desafios globais. Para já, o certo é que a Inteligência Artificial generativa continuará a servir de alavanca para a produtividade e criatividade; poderá ajudar a promover avanços científicos – analistas apontam que as empresas de capital de risco investiram mais de 1,7 mil milhões de dólares em soluções generativas nos últimos três anos, sendo a descoberta de medicamentos e a codificação de software de IA os que receberam maior financiamento; e com o investimento, o desenvolvimento em escala das próprias plataformas, que ao estarem associadas a empresas como a Microsoft, vão garantir que crescem em infraestruturas que privilegiam segurança, fiabilidade, conformidade, privacidade e IA responsável.

Mas como fazer aterrar toda esta inovação nas nossas organizações?

Antes de mais, importa clarificar o conceito. Grandes modelos de linguagem ou Inteligência Artificial Generativa são ramos da IA que ajudam a gerar conteúdo e dados com base em informação existente, esteja ela circunscrita ou não. As aplicações comerciais são variadas e comum mas erradamente limitadas à geração de texto. Atenção, não é de menosprezar quão útil é deixarmos o resumo de transcrições de reuniões ou a sumarização de longos textos para a Inteligência Artificial, nem tão pouco somenos o impacto na produtividade dos nossos colaboradores. É de assinalar o facto de nos permitir fazer videochamadas e em tempo real ter a informação traduzida para múltiplas línguas. Mas quando aplicada, por exemplo, ao setor financeiro pode ser um importante aliado na deteção de fraude, fazer análise preditiva ou modelação de fatores de riscos. Se pensarmos no setor da logística, por outro lado, pode ajudar a antecipar picos de procura, com análise de dados baseado em comportamento e preferência do cliente, ou pode ser um ágil aliado na otimização de rotas, ao fazer a monitorização de trânsito em tempo real. No Setor Público, podemos ser ainda mais ousados, e admitir que pode mesmo gerar propostas ou recomendações políticas baseadas na análise de dados e feedback das partes interessadas (aplicado ao orçamento participativo, porque não?); pode ajudar a melhorar a prestação de serviços públicos gerando soluções ou respostas personalizadas para os cidadãos com base nas suas necessidades e preferências ou pode mesmo ajudar a melhorar a segurança nacional através da geração de informações ou alertas baseados em fontes e padrões de dados.

Aquilo a que assistimos em 2023 é uma completa mudança de paradigma. A investigação em larga escala de IA saiu dos laboratórios e está agora em plena fase de industrialização. É a mais entusiasmante vaga tecnológica das últimas (senão todas!) décadas e ficar de fora não é opção. O hype é real mas só agora descolou. Esperam-nos grandes voos.

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