Portugal, um dos países mais antigos do mundo, concede-nos um legado histórico inestimável, sendo motivo de orgulho da nossa formação coletiva. A História, enquanto património da vida dos povos e civilizações, permite ao ser humano enraizamento e vínculo, traduzidos na tomada de consciência da historicidade que o compõe. Esta longa história de Portugal, abarca, ainda, um legado pré-nacional, integrando constantes interpenetrações étnicas e culturais, de povos ancestrais, que estão na origem da Nação e da Língua portuguesas, constituindo, assim, a «paleta identitária» da gesta lusitana.

A paleta identitária

O território correspondente ao nosso país, situado no extremo ocidental da Península Ibérica, apresentando uma situação geográfica peculiar, mantendo um vínculo estreito com o oceano Atlântico, reúne vestígios de diversos povos e civilizações, que o marcaram em épocas antigas, traduzindo-se na idiossincrasia do povo português. Desde tempos pré-históricos, foi habitado pelos Iberos, tribos originárias da região que lhe deram o nome. Por volta do século X a.C., os povos Celtas, originários do centro da Europa, chegaram à Península e miscigenaram-se com a população local, dando origem aos Celtiberos que se dedicavam à agricultura, à caça, ao pastoreio, ao artesanato, trabalhando o ferro, e, no que diz respeito à edificação, usavam lugares fortificados, quer em modo de povoado permanente, quer apenas como refúgios temporários, em caso de perigo de ataque, designados de Castros ou Citânias. O grupo mais relevante de entre os Celtiberos foram os Lusitanos, habitando a região entre o Rio Douro e o Rio Tejo, a denominada Lusitânia pelos autores greco-latinos, que detêm um papel crucial na gesta fundadora do imaginário luso, na oposição épica ao Império Romano. Este povo constitui a base do povoamento ibérico, muito embora lhe tenha sucedido uma multiplicidade de outros povos que deram contributos significativos, do ponto de vista civilizacional, muito em particular os povos da orla do Mediterrâneo, tais como os Fenícios, que introduziram as primeiras formas de escrita – o alfabeto fenício; os Gregos, que contribuíram para cimentar o conceito de moeda; os Cartagineses que, além de terem trazido novas técnicas e costumes, através do comércio ou da conquista, revolucionaram a alimentação, ao partilharem as suas técnicas de conservação de alimentos em sal, entre muitos outros contributos de grande importância e impacte no quotidiano das várias populações.

A romanização, por sua vez, permitiu lançar as bases de uma nova ordem económica social e cultural, sob a forma de um novo modelo de sociedade, complexo, de matriz urbana, tendo perdurado os seus reflexos, de forma significativa, na nossa língua, nas leis e na arquitetura. Aos romanos devemos a numeração com o mesmo nome, o latim, a religião cristã, estradas e pontes, e inúmeras técnicas e práticas agrícolas, como o pousio, a fertilização e a rotação de culturas, sistemas de irrigação, ainda hoje em uso, o que por si só demonstra as suas habilidades e avançados conhecimentos de engenharia.

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Os chamados “bárbaros”, em particular os Suevos e os Visigodos, apesar de conquistadores, deixaram-se aculturar pelos conquistados, convertendo-se à religião cristã e adotando o latim como língua.

A presença romana na Península Ibérica só foi ultrapassada pelos mouros que com ela ombreiam na influência cultural por nós herdada, em particular na língua, na literatura, na arte, na gastronomia e na ciência, especialmente na medicina. Estes trouxeram consigo a arte cerâmica (azulejos), as árvores de fruto, nomeadamente a laranjeira, as técnicas de rega, das quais se destaca a utilização da nora, a astronomia, através do astrolábio e da bússola, e, no que diz respeito à língua, imensos nomes que ainda hoje perduram, sendo os começados por “al” os mais numerosos, designadamente Algarve, Alvito e Alburitel. De igual forma, muita da toponímia evidencia origem árabe, particularmente no Algarve e nas regiões de Lisboa e Beja, fruto de uma colonização árabe e berbere mais acentuada.

De facto, a romanização, as invasões germânicas, o domínio islâmico mouro, a presença judaica, e as invasões francesas foram a forja que moldou o país que somos hoje. Transportamos, em nós, o ADN de iberos, celtas, suevos, visigodos, vândalos, alanos, fenícios, cartagineses, gregos, romanos, mouros, franceses, bizantinos, judeus, africanos, indianos, e tantos outros que connosco se cruzaram ao longo dos séculos.

Todos os povos, quer invasores, quer comerciantes, quer ocupantes, deixaram, de forma indelével, as suas marcas naquilo que é, hoje, o povo português.

Um povo exceção

Hodiernamente, os movimentos migratórios mais significativos, em termos de imigração, deram-se nas últimas três décadas do século XX até ao presente, com a relevante exceção da entrada de grupos ciganos, ainda no século XV. Após 1974, o país tornou-se um recebedor considerável de populações migrantes, como resultado da descolonização das possessões africanas, até aí detidas por Portugal.

Portugal, desde sempre um país aberto ao mundo, tem vindo a receber um número crescente de populações migrantes, oriundas do Brasil, das ex-colónias de África, da Ucrânia e, em geral, de países do leste europeu, além de uma menos relevante diversidade demográfica de outras origens, de entre elas a chinesa, a paquistanesa, a bengalesa, e a indiana, expondo-se à universalidade, enriquecendo a sua matriz identitária. Efetivamente, decorrente dos vários processos de aculturação, verificam-se trocas e reinterpretações entre culturas várias, sendo certo que a cultura, enquanto aquisição humana, não é um dado adquirido e estático, mas sim um processo de evolução contínuo, entrelaçando o antigo e o novo, num processo de fecunda criação daquilo que entendemos ser a identidade portuguesa, na qual a diversidade constitui-se enquanto traço da sua singularidade.

Ainda hoje, dispersos pelo mundo, evidenciamos a identidade e sentido de pertença, procurando o equilíbrio entre a diversidade e a unidade, tal como somos.

Talvez este processo de agregação de culturas diversas, traduzindo um hibridismo cultural permanente, esteja na base do fundamento de uma cultura portuguesa assente na heterogeneidade e inclusão. Um “povo exceção”, como lhe chama Manuel Antunes, na sua obra emblemática Repensar Portugal, enaltecendo um pequeno grande povo que, apesar da sua pequenez territorial, conseguiu alcançar tão grande obra.

Na verdade, conhecer o nosso passado, invulgarmente longo e rico, enquanto povo, e ter a capacidade de o exaltar, de forma enraizada, promovendo uma intercompreensão do local e do global, ambos, simultaneamente, unos e diversos, tal como o Homem é, é viver o presente, de forma dilucidada, prospetando os desafios do futuro, no seio desta cultura-mundo, de crescente complexidade, em que vivemos.

[Os artigos da série Portugal 900 Anos são uma colaboração semanal da Sociedade Histórica da Independência Nacional.]