Entrar pela primeira vez numa prisão é uma experiência perturbadora: entramos numa porta de ferro, já sem pertences pessoais, atrás de nós o som inconfundível das portas a encerrarem-se, uma, duas, seis vezes, o barulho estridente dos metais a embater violentamente entre si. É completamente diferente do ambiente de qualquer sala de visitas. As alas das cadeias são terras de ninguém: onde há privação da liberdade a este ponto, o tempo não são os ponteiros do relógio, é antes uma pintura de Dali, um sofrimento que anseia por hábitos que façam os reclusos se sentirem humanos novamente. É muito fácil que os instintos de sobrevivência mais primários transformem um presidiário num criminoso muito mais multifacetado e perigoso do que aquele que entrou pela primeira vez. Os estabelecimentos prisionais portugueses não são escolas do crime: são Universidades com licenciaturas, mestrado e até doutoramentos, conforme haja tempo para a doutrinação.

As pessoas não pensam muito na prisão, o que é, ou como é. Na verdade, não querem pensar. Têm uma visão muito abstrata, como um lugar de expiação dos pecados. E as razões deste conceitos são muitas, desde a História até à origem civilizacional da ética e do Direito. Mas o que importa aqui refletir é se a função principal de um estabelecimento prisional é punir ou reabilitar. Ainda que a legislação e a jurisprudência dêem preferência à reinserção, no nosso país esta funciona muito mal. Não há capacidade de dotar os indivíduos com as capacidades sociais ou profissionais que permitam a efetiva integração na sociedade. O investimento público (sim, porque mais do que em qualquer outra área, é um investimento) é insuficiente para suprir as questões mais básicas, como a sobrelotação. Pior ainda, a opinião pública nunca é a favor de que se gaste aqui demasiado tempo ou recursos, por isso os Governos não têm incentivo para se preocuparem com o assunto. Aquilo de que os políticos se esquecem é de que, para uma sociedade ter paz, tem de primeiro saber exercer o perdão de forma assertiva e concludente – o que corresponde, neste caso, a dotar o sistema prisional com mais e mais modernos estabelecimentos, a formar melhor os técnicos da área social e psicológica, a construir soluções que possibilitem uma passagem pacífica da cadeia para a liberdade, a instruir os profissionais de acompanhamento e, principalmente, a colocar na gestão quem seja realmente mais competente. Qualquer outra resposta será eternizar uma realidade que nos coloca ao nível dos países subdesenvolvidos.

Não sendo uma regra, nos países mais desenvolvidos e ricos é comum encontrarmos um sistema prisional moderno e focado na reabilitação do recluso, com instalações que podem até parecer vexatórias para um cidadão “livre” do sul da Europa. Evidentemente que estamos a falar de países onde as finanças públicas são equilibradas, a função redistributiva do Estado funciona, a corrupção é residual e a Justiça tem a confiança dos cidadãos.

Podemos acreditar ou não que a criminalidade é uma doença e que os seres humanos são proeminentemente “bons” mas há algo de que qualquer pessoa não se pode esquecer: a empatia com o seu semelhante é um dever, independentemente das circunstâncias. E isto significa olharmos o próximo de forma compassiva e sem julgamentos, que é algo que a humanidade já compreendeu há milénios ser o caminho certo, mas que tem dificuldade em colocar em prática.

Mas mesmo que coloquemos as exigências morais de lado, podemos chegar às mesmas conclusões se observarmos do ponto de vista estritamente económico: somemos os custos da marginalização dos indivíduos da sociedade, do suporte administrativo e técnico com a Justiça e os estabelecimentos prisionais, da necessidade crescente de forças de investigação e segurança e da subsistência diária dos reclusos. A ilação consequente é que há um benefício claro em apostar na modernização do sistema prisional, na mudança de paradigma organizacional e na genuína reintegração dos reclusos. Não há, portanto, desculpas para o modelo antiquado das cadeias portuguesas. É necessário que esta discussão seja levada à sociedade civil e que nos conscientizemos da absoluta importância deste tema. Porque numa sociedade que pune e não reabilite, talvez os muros da prisão sirvam para proteger quem está lá dentro e não quem está cá fora.

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