O verão é definitivamente a altura do ano em que mais consigo colocar as leituras em dia. Salvo raras exceções, costumo dizer que os livros trabalham quando estamos de férias, e atuam de modo inverso quando colocamos um fim às mesmas. Pensando bem, a vida de livro não é nada má…
Adiante, já há algumas semanas estava eu a folhear certas revistas científicas que tinha guardadas, maioritariamente debruçadas sobre o conhecimento espacial, e deparei-me com o seguinte facto: a questão espacial está completamente ausente do nosso discurso, pensamento e ações. É tratado como um assunto de nicho, quando rapidamente vai ser um assunto de massas.
Isto não é um bom presságio. Se refletirmos, todas as inovações tecnológicas e mudanças de paradigma que dizemos terem sido um sucesso na sua integração na sociedade foram feitas com a imposição do tema pelas massas.
Foi assim quando ainda estavam a ser inventadas as primeiras locomotivas a vapor, e já se debatiam que rotas poderiam vir a ser feitas, que tipo de máquinas eram prioritárias, que terrenos seriam concessionados, por quanto tempo e com que critérios… Tendo até certos Governos feito debates sobre mudar fuso horários pelo encurtamento das distâncias.
Assim também foi, quando foi criado um segundo planeta (o digital), em que se debateu os direitos e deveres de cada um nesse novo espaço, em que é que ele podia ser usado, e até mesmo as atuais consequências do mesmo, por exemplo a nível social.
Por curiosidade, a única verdadeira revolução de paradigma que não correu bem e até hoje não a conseguimos integrar na sociedade foi a bomba atómica. Precisamente por ter sido sempre um tópico de nicho, ao invés de massas. Oppenheimer testa pela primeira vez a bomba atómica em 1945 e por esta ter ficado como um assunto de nicho durante toda a sua criação, no mesmo ano acontecem os bombardeamentos de Hiroshima e Nagasaki. Dir-me-ão que tal aconteceu num clima de Guerra…Mas também não é desse clima que estamos hoje mais próximos do que nunca?
É importante deixar claro que é a mais aproximada concorrência de informação que possibilita a maximização de recursos. É a informação que permite que ninguém fique para trás, mesmo quando o conteúdo da informação parece ser uma má notícia para os incumbentes e boa para os competidores. Excluindo até mesmo as temáticas às quais o secretismo é quase inato e natural, perduram inúmeros casos completamente fora da agenda política, económica, legal e social…
Exemplo disso, é a descoberta e mapeamento há poucos anos por parte da China de hélio-3 na Lua que parece ser mesmo um game changer dado que, este composto permite ao ser humano estabilizar algo que outrora não era capaz: a fusão nuclear.
A fusão nuclear por contraposição à fissão nuclear une núcleos em vez de os dividir, não criando lixo nuclear. É uma energia totalmente limpa, e de eficiência energética com o estabilizador soberba, pode-se mesmo dizer quase que teríamos energia infinita. Muito recentemente, a NASA também confirmou a presença de água na Lua, o que permitiria descolar naves de forma muito mais barata e prática. Casos como este existem aos milhares.
Não se descortinam na agenda pública as sequelas de tais descobertas. Caso disso é a incógnita de como poderiam ser feitas as explorações do hélio-3 se os atuais tratados internacionais apenas prevêem a Lua como território para fins de pesquisa? De como vão os interesses económicos ficar nisto tudo caso seja quebrada a praxis de proteger os risk takers sem a garantia de patentes pela sua descoberta? De como isto vai influenciar a nova ordem mundial e geopolítica?
Muito por onde pegar, mas pouco ou nada se tem pegado. Mais desanimador, podem ser duas realidades nuas e cruas. Primeiro, a de que o Portugal, de outros tempos de vanguarda na descoberta marítima, vê-se agora fora da corrida espacial. Segundo, a de que tudo leva a crer que a nossa geração seja mais uma que tenha nascido entre as corridas marítimas e as espaciais.
Isto deve, no entanto, fazer-nos baixar os braços? Nem por sombras!
Inspiremo-nos num papel análogo ao de John F. Kennedy na sua presidência… A 25 de maio de 1961, o próprio fazia história com o tão famoso “Moon Speech” ao proferir: “We choose to go to the Moon in this decade and do the other things, not because they are easy, but because they are hard…”. Kennedy, fora o primeiro presidente a recrutar esforços para a descoberta espacial, e acabou por não ver os resultados de tais feitos, pois viria a ser assassinado em 1963 e o ser humano só chegaria à Lua em 1969. Mas isso em nada invalida a mensagem que o mesmo quis passar no acima referido discurso, já que Kennedy, sabendo do custo de oportunidade e impopularidade que tais desvios de recursos podiam ter e tiveram, sabia também que era crucial passar a ideia de que há oportunidades que não se podem deixar passar. Tais oportunidades, necessitam de seres humanos convictamente investidos, mesmo que não venham a ver os frutos das mesmas.
Por fim, observe-se que John F. Kennedy não se coibiu de colocar o tema na agenda, de informar e mobilizar massas, de fazer chegar o tema à sociedade civil, mesmo antes de tomar a decisão de avançar com as missões Apollo. Porque é que já não é prática corrente? Para responder a tal questão devemos olhar para nós mesmos. As instituições são a representação da sociedade, e o contrário é também verdade. Procuremos por um Kennedy, exijamos um Kennedy e cultivemos um Kennedy…