Os estabelecimentos de ensino enfrentam dificuldades crescentes em recrutar docentes com habilitações profissionais. Mesmo o recrutamento de docentes com habilitação própria tem vindo a ser progressivamente mais difícil considerando que o reconhecimento da habilitação própria apenas existe para licenciaturas anteriores ao Processo de Bolonha.
De acordo com um diagnóstico de necessidades docentes de 2021 a 2030, da autoria da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, em colaboração com a Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência apresentado recentemente, Portugal irá precisar de contratar um total de 34,5 mil profissionais para assegurar que não há falta de docentes nas escolas, em consequência do número de professores que se deverão aposentar nos próximos anos. Apesar de se perspetivar um decréscimo de alunos fruto do arrefecimento demográfico no horizonte da década, dos cerca de 120 mil docentes que estavam em funções no ano letivo 2018/2019 deverão aposentar-se quase 40%. Dito de outro modo, a diminuição do número de alunos nas escolas do pré-escolar ao secundário até 2030, apesar de significativo é inferior ao número de professores que se reformam.
Chegámos a esta situação por uma deficiente capacidade de planeamento dos recursos públicos, que não é responsabilidade exclusiva desta legislatura, antes atravessa décadas de políticas desestruturadas para a Educação, que oscilam conforme os governos e as maiorias parlamentares que conjunturalmente decidem o nosso destino coletivo. À incapacidade de planear devidamente os recursos da educação ao nível da racionalidade económico-financeira – os cálculos recentemente divulgados pelo Ministro da Educação respeitantes ao custo por aluno nas escolas públicas estatais aí estão para o demonstrar – junta-se a incapacidade de pensar a política educativa ao nível dos recursos humanos, que nestas duas últimas legislaturas muito deixaram a desejar.
O fim dos contratos de associação, uma modalidade racional, que funcionava para as famílias, para as comunidades educativas e para os contribuintes, numa solução virtuosa que combinava uma utilização adequada de recursos financeiros com projetos pedagógicos diversificados, integradores e com resultados comprovados, mostra bem como o preconceito ideológico casado com a incapacidade de planeamento não só destruiu valor, como contaminou todo um setor com externalidades negativas que vão muito para além do ensino público estatal. Com efeito, o setor de ensino não superior não estatal, que responde por cerca de 20% do sistema educativo, enfrenta hoje uma dificuldade séria na atração e no recrutamento de professores que, para ser ultrapassada com sucesso, requer lucidez, pragmatismo e vontade.
Como carreira, a profissão docente não é atrativa para a grande maioria dos licenciados das nossas universidades. A estabilidade e o reconhecimento associados ao professor perderam-se nos últimos anos em função das crescentes responsabilidades em ensinar um currículo diversificado e gerir dinâmicas complexas de sala de aula. O trabalho mal reconhecido e uma progressão automatizada onde nem sempre são premiados os melhores, mas apenas os que têm mais anos de serviço desmotivam muitos dos jovens que poderiam nutrir a ideia de trabalharem como professores. É urgente encontrar formas de atrair novos talentos para o ensino. Com uma portaria da habilitação própria para a docência que contemple a possibilidade de recrutar professores licenciados e pós-Bolonha resolve-se uma parte muito substancial deste problema.
Esta medida permitiria integrar nas escolas bons profissionais, com boas competências na sua área de especialidade, que vejam no ensino a possibilidade de ampliar e desenvolver as suas competências humanas e académicas e genuinamente interessados em contribuir para uma formação de qualidade dos alunos.
A solução é simples, basta ter – como já referido – lucidez, pragmatismo e vontade. O que explica que não se aproveite o talento formado pelas universidades portuguesas para responder a uma necessidade que impacta toda a sociedade? Porque não pode um licenciado, em 2007, em matemática, física ou biologia, por exemplo, lecionar respetivamente matemática, física ou biologia no 2.º e 3.º ciclos ou no secundário?
Todos os diplomados pós-Bolonha que não seguiram a via de ensino, com uma simples portaria poderiam encontrar nas escolas privadas uma possibilidade de carreira. Teríamos uma disputa saudável de talento, reconversões profissionais, verdadeiras novas oportunidades para milhares de licenciados que, porventura, nunca pensaram em ser professores e que poderiam ter no ensino algo que os realizasse e preenchesse.
Faz sentido a carreira educativa estar “trancada” da forma como está? Pretendeu-se, muito recentemente, alterar o funcionamento das Ordens Profissionais para flexibilizar o acesso a profissões reguladas, e deixa-se a carreira docente para o ensino não superior condicionada a regras datadas e obsoletas? Ser professor não precisa de ser uma decisão tomada aos 18 anos quando se ingressa num curso superior dedicado à via de ensino. Ser professor pode ser uma vocação mais tardia, pode ser uma opção para quem, sendo licenciado, quer mudar de vida profissional. A verdade é que esta é uma oportunidade não apenas para se ultrapassar um obstáculo real que as escolas enfrentam hoje e que terá tendência para se agravar à medida que o tempo passa, mas é também uma oportunidade para trazer sangue novo para as escolas, para atrair e disputar talento, enriquecendo as nossas escolas com profissionais que podem trazer experiências profissionais plurais que significam mais diversidade e riqueza curricular para as escolas.
Naturalmente que este processo, para ser eficaz e consequente em todo o seu potencial, precisaria que a integração destes profissionais tivesse o acompanhamento e a supervisão devidos, mas esse seria um “bom problema” para as escolas, em cuja solução estas se empenhariam de bom grado, porque é do seu interesse. Se há setor em Portugal que tem dado resultados consistentes e regulares, esse setor é o do ensino particular e cooperativo. Se houver – repito – lucidez, pragmatismo e vontade, então não estaremos perante um problema de falta de professores, mas sim perante uma oportunidade de transformar, pela positiva, o futuro do panorama educativo em Portugal.
Para terminar, registo o paradoxo de que nenhum ministro da Educação poderia dar aulas no ensino não superior pois não tem habilitações profissionais adequadas… Não é estranho?