O PSD teve uma pesada derrota eleitoral. Paradoxalmente, os resultados do partido em 30 de janeiro não serão o seu maior problema nos próximos 4 anos e 8 meses. A questão que pode condicionar ainda mais o seu futuro parece ser a reação aligeirada de tantos face às razões da derrota e a surpreendente desconsideração pelas alterações substanciais do cenário político.

Rui Rio nunca escondeu o que queria nem tentou camuflar a sua visão sobre o papel do PSD. Por exemplo, abdicou de lógicas e instrumentos de Oposição esperando que o poder lhe caísse nas mãos por caducidade natural. Pior, aderiu tacitamente à narrativa do PS sobre a superação da crise e calou-se sobre o melhor da história recente do PSD – ter vencido a bancarrota socialista e colocado o país na via do crescimento económico.

Ainda assim foi seguido convictamente pela maioria do partido. E isso tem um preço que só agora o PSD começou a pagar. E temo bem que esse pagamento tenha de ser feito em dolorosas prestações nos próximos anos.

O equívoco político em que o PSD se tornou não terminará com a simples mudança de líder. Liderar a Oposição é a tarefa mais ingrata da política portuguesa. Desenganem-se os que julgam que basta mudar algumas caras e outros tantos slogans ou, até, anunciar que agora se irá fazer o contrário do que se tentou nos últimos anos para que a confiança dos portugueses tenha condições de regressar.

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Seja qual for o próximo líder tenho as maiores dúvidas de que isso possa ser assim.

Aquilo que me parece estar a acontecer no PSD é um quase-estado de negação face à disrupção que estas Legislativas provocaram no cenário político nacional. Acompanhado de uma assinalável dose de incompreensão pelas repercussões na ideia de partido que, durante tanto tempo, submergiu num posicionamento estratégico e político contranatura.

O PS tornou-se hegemónico à esquerda. O aliado histórico e preferencial do PSD, o CDS, desapareceu. Aproveitando, também, a crise de identidade do PSD, despontaram dois partidos robustecidos, com um eleitorado empolgado, exibindo lógicas inovadoras de fazer política e com claras perspetivas de crescimento a prazo. Nem a IL nem o Chega cederão um milímetro de espaço político ao PSD para que este regresse à sua vocação natural de liderar a alternativa ao projeto de poder socialista. Constrangido no grupo parlamentar agora eleito, o PSD está em perigo de poucas vezes ser referência pela positiva num debate nacional.

Acresce que o eleitorado se alterou intensamente na sua composição e nas expetativas que detém face à satisfação dos seus interesses por parte do Estado. 24% da população portuguesa tem mais de 65 anos (e são os que mais votam) e os jovens com menos de 25 anos são pouco mais de 12% (e são os maiores abstencionistas). Portugal tem 3,6 milhões de pensionistas, 719 mil funcionários públicos, 880 mil pessoas com ordenado mínimo e 162 mil beneficiários do RSI em idade de votar. A tendência natural de um eleitorado com esta estrutura é apadrinhar ofertas políticas que não provoquem sobressaltos e que lhes transmitam a sensação de conforto e de segurança na míngua que detêm. Ao contrário, propostas ousadas, reformistas, intenções declaradas de mudar o país numa Legislatura, correm o risco de assarapantar quem pouco quer e não pensa querer mais.

Muito dificilmente algum candidato a líder, ainda que aproveite as próximas Diretas para fazer a rodagem do seu automóvel, conseguirá mudar esta realidade tão distinta da de 1985.

Precipitar o PSD em eleições Diretas sem perceber como mudaram radicalmente a conjuntura, os modos de fazer política e os novos cenários que restarão para os próximos 4 anos e 8 meses é um erro grave. Mas poucos parecem querer favorecer uma reflexão profunda acerca daquilo que aconteceu e do que está para vir. E todos sabemos que o modelo das eleições Diretas favorece o confronto agitado e o pastoreamento de votos mas tende a esgotar qualquer possibilidade de ponderação por muito indispensável que esta possa ser.

Se o PSD não interiorizar as razões do equívoco político em que se tornou entre 2018 e 2022 e quais as razões que levaram tantos do seu eleitorado potencial a acolher as propostas políticas dos novos partidos não será capaz de ressurgir como um projeto renovado, coerente e vencedor, como os que apresentaram Sá Carneiro, Cavaco Silva, Durão Barroso e Pedro Passos Coelho.

Se o PSD não quiser perceber para qual eleitorado quer falar e como o fará, a sua ação política estará limitada à partida.

Se o PSD não assimilar qual é a sua função no sistema político, como a deve desempenhar num ambiente mediático e político adverso e num espaço temporal que é imenso em política, regressará às dúvidas sobre si próprio, potenciando as ofertas socialistas de conforto de pequenos poderes de ocasião e abandonando a sua razão de ser.

Se o PSD julgar que um líder saído de umas Diretas realizadas à pressão é suficiente para lhe oferecer estratégias e ideias rejuvenescidas, sem reconhecer as ambiguidades e desfasamentos políticos em que o partido tem restado, o próximo presidente, seja este qual for, correrá o sério risco de ser um líder de transição e a prazo.

E daqui a dois anos, ou a quatro, infelizmente, estaremos novamente a discutir o papel do PSD no sistema político e qual o melhor rosto para fazer aquilo que já deveria ter sido feito.