Numa missiva enviada esta quarta-feira às organizações desportivas patrocinadas (CDP, COP, CPP e várias federações desportivas), ficou-se a conhecer a intenção da Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML), Ana Jorge, nomeada pelo Governo em maio deste ano, de rever os contratos de patrocínio, em virtude da “conjuntura económico-social vivida”.

Das razões apresentadas para esta decisão de gestão, poderão estar subentendidos motivos de natureza financeira da própria SCML, o que faz antecipar que as reavaliações anunciadas aos contratos de patrocínio no desporto serão alargadas a outros setores, igualmente patrocinados pela SCML. Se tal acontecer, percebe-se o alcance da medida de gestão, a favor do equilíbrio financeiro da instituição. Se tal não se verificar, a SCML reconhece, de forma clara e inequívoca, que, apesar dos milhões de euros de receita dos jogos Placard – gerada pela existência de atividade desportiva – o desporto deixa de ser uma prioridade.

Independentemente do alargamento (ou não) dos cortes a outros setores, esta é uma decisão preocupante para o desporto nacional. E deve ser entendida como preocupante a, pelo menos, dois níveis. Por um lado, pela quebra direta de receita para estas organizações desportivas (com impacto direto na gestão financeira e desportiva das instituições) e, por outro, mas não menos importante, por aquilo que representa per si: o afastamento de uma marca que tem estado nos últimos anos ligada ao desporto nacional, em mais um momento de desvalorização do setor e de perda de relevância social.

Se quisermos olhar apenas para a “árvore” assumimos o assunto exclusivamente como uma quebra de receita para algumas organizações desportivas, mas se o olhar for mais criterioso e alargado a toda a “floresta”, percebemos que o problema é bem mais grave e estrutural do que parece. Percebemos que este problema existe porque existe outro ainda mais grave: o atual modelo de financiamento do desporto português está completamente esgotado, desajustado e não serve os interesses do setor.

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O atual modelo de financiamento do desporto federado português assenta, praticamente em exclusivo, na gestão, por parte do IPDJ, de 8,87% das receitas geradas e disponibilizadas pela SCML (Decreto-Lei n.º 23/2018 – Altera a forma de distribuição dos resultados líquidos dos jogos sociais explorados pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa). O desporto que, por via dos jogos Placard, contribui com cerca de 20% para o total das receitas da SCML, não recebe sequer o equivalente a metade da percentagem de resultados líquidos dos jogos sociais, como retorno para continuar a investir na sua atividade, sem que, com isto, o Governo afete verbas adicionais em Orçamento do Estado ao Desporto.

É neste modelo que, de ano para ano, vem agravando o estado de subfinanciamento crónico do desporto – visível em toda a pirâmide de desenvolvimento desportivo (dos clubes de base local até ao alto rendimento e seleções nacionais) – que os responsáveis políticos continuam a insistir, fazendo de conta que o problema não existe ou que, simplesmente, não lhes diz respeito.

A fragilidade financeira com que a generalidade das organizações desportivas se depara, vendo-se “obrigadas” a aceitar qualquer tipo de patrocínio (aquelas que, ainda assim, o conseguem), em consequência do modelo de (sub)financiamento do desporto em Portugal, coloca estas organizações expostas ao risco, sem a necessária proteção do Estado, e desencadeia precisamente o problema a que estamos a assistir: quando a SCML espirra (entenda-se: corta patrocínios – para além da distribuição de resultados líquidos legalmente prevista no Decreto-Lei n.º 23/2018), o desporto nacional constipa-se (entenda-se: as organizações desportivas sofrem importantes rombos, com impacto direto na gestão desportiva).

Chegados aqui, o mesmo Governo que recentemente nomeou a Sra. Provedora Ana Jorge e a restante Mesa da SCML, tem a responsabilidade e o dever de resolver um problema estrutural, que só o Governo pode resolver:

  1. Promovendo uma alteração ao Decreto-Lei n.º 23/2018 – que estabelece a forma de distribuição dos resultados líquidos dos jogos sociais explorados pela SCML – aumentando a percentagem a transferir para o IPDJ, para fomento e desenvolvimento de atividades e infraestruturas desportivas e juvenis, de 8,87% para, pelo menos, 20% (equivalente à percentagem do total de receitas da SCML geradas pelos jogos Placard);
  2. Assumindo finalmente o desporto como prioridade política em Orçamento do Estado, com dotação própria, para além da proveniente da percentagem de distribuição dos resultados líquidos dos jogos sociais explorados pela SCML, atualmente prevista no Decreto-Lei n.º 23/2018.

Têm a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa, a Sra. Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares (com a tutela do Desporto), Ana Catarina Mendes, e o Sr. Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Correia.