A forma como utilizamos os recursos é um tópico que me encanta – e incomoda, principalmente quando se trata de alimentos. Paradoxalmente, vivemos em um período em que o desperdício extremo convive com a carência para muitos. Por isso, perceber melhor os impactos desse problema e o que podemos fazer, como indivíduos, sobre isso é essencial.

Com o passar dos anos, é inegável que a comida tornou-se mais acessível para a maioria de nós, podendo ser facilmente adquirida, com os devidos meios financeiros, em diversos estabelecimentos. Entretanto, há uma ressalva: esse cenário é capaz de aumentar a desconexão dos consumidores com os alimentos. Ao serem percebidos como mais um produto aparentemente abundante e de simples reposição, é fácil não conhecermos as práticas de produção adotadas, os recursos utilizados e o seu consequente impacto no meio ambiente.

Aliado a isso, é comum que o manejo alimentar não seja ideal, por falta de entendimento ou cuidado, e ainda há deficiências nas infraestruturas de armazenamento. Consequentemente, esse cenário viabiliza um uso desregrado da comida, tornando mais grave o problema de desperdício .

Para entender melhor essa situação, vamos aos números. Segundo os dados do UNEP, foram desperdiçadas cerca de 1 mil milhão de toneladas de comida em 2022. Surpreendentemente, mais de 60% desse valor vem do uso indevido por famílias.

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Em Portugal, a situação não deixa de ser preocupante: comparado com seus pares europeus, o país é o terceiro que mais desperdiça alimentos por habitante, com 181 kg per capita anuais, dos quais 124 kg estão associados à má gestão doméstica.

E como é de se esperar, os impactos dessa situação são significativos.

Em primeiro lugar, há um desdobramento ético: é irresponsável deitar fora comida que poderia ter sido melhor gerida, enquanto o acesso digno aos alimentos não é universal.

A maioria de nós tem o privilégio de estar distante da insegurança alimentar, mas não podemos esquecer-nos de que esse problema continua a ocorrer – muitas vezes mais perto do que imaginamos. Por exemplo, como um dos gestores de turno da Refood, em Lisboa, é comum deparar-me com pessoas que vão ao nosso núcleo no final da noite, à procura da sua primeira refeição do dia. Infelizmente, isso reflete a realidade para uma parcela considerável da população portuguesa, já que 15.6% sofreu com insegurança alimentar moderada ou severa entre 2021 e 2023.

Em segundo lugar, o impacto ambiental do desperdício de alimentos está longe de ser negligenciável, já que a sua cadeia produtiva é intensiva quanto ao uso de recursos, como água e combustíveis fósseis. Por isso, quando os desperdiçamos, todos esses insumos também são indiretamente descartados, enquanto mais gases de efeito estufa (GEE), como o gás carbónico e o metano, são lançados na atmosfera – potencializando as alterações climáticas.

Afinal, não é à toa que o desperdício e a perda de alimentos já é responsável por 8 a 10% das emissões globais de GEE, superando o setor de aviação, e a sua redução é reconhecida dentro do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n.º 12 das Nações Unidas.

E caso as questões éticas e ambientais não sejam preocupantes o suficientes para si, há mais um fator relevante: o dinheiro. Nesse caso, a análise é breve: ao descartarmos os alimentos que compramos, acabamos por deitar fora parte de nossos recursos financeiros.

Então, como podemos agir para melhorar essa situação?

A primeira (e mais óbvia) ideia é mudarmos os nossos hábitos para evitar que o desperdício ocorra. A Comissão Europeia aconselha algumas opções: planear as refeições e compras, armazenar os alimentos de maneira propícia e administrar ativamente a comida em casa – para percebermos o que há guardado e consumirmos de forma consciente, priorizando as sobras antes de produtos novos. Ainda, podemos apoiar iniciativas como a Too Good To Go, ao comprar os excessos alimentares de estabelecimentos por preços reduzidos.

A segunda envolve aperfeiçoar o destino dos alimentos desperdiçados. Como alguns municípios portugueses já realizam a recolha de biorresíduos, obrigatória desde o início de 2024, basta verificar se este é o seu caso e participar gratuitamente do programa. Dessa forma, os resíduos alimentares podem ser posteriormente transformados em biogás e composto, minimizando o impacto ambiental do seu descarte.

Por último, recomendo as ações de voluntariado. Instituições como a Refood e os Bancos Alimentares executam um trabalho notável para evitar o desperdício e amenizar a insegurança alimentar. Mesmo com poucas horas por semana, os voluntários podem sempre participar de forma ativa na redução dos impactos negativos dessa problemática.

Enfim, transformar os sistemas alimentares não é algo simples, nem que deve ser feito por apenas um agente social. No entanto, como grande parte do desperdício tem origem doméstica e gera imensas consequências, acredito que temos condições de reduzir a sua ocorrência. Nesse caso, mesmo os pequenos passos já representam um avanço.

O Observador associa-se ao Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial, para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa.  O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.