Verão sim, verão não, lá surgem umas suspeitas associando dirigentes de futebol a crimes de corrupção. Pinto da Costa, Vale e Azevedo, Manuel Damásio, Bruno de Carvalho, Luís Filipe Vieira, Valentim Loureiro e João Loureiro são alguns dos nomes apontados no passado. Enquanto vai acusação e vem sentença, o juridiquês entra definitivamente no léxico do adepto de futebol: branqueamento de capitais, burla qualificada, abuso de confiança, fraude fiscal e falsificação. Se antes era usual dizer-se que em cada português existia um ministro das finanças e um treinador de futebol, hoje o leque de competências sociais estende-se a especialista em código de processo penal. Mas porque surgem tantos casos de justiça associados ao futebol?

O futebol tornou-se na última década numa indústria que movimenta milhões, deixando de ser um jogo que atuava no sector do desporto, para passar a ser um espetáculo que integra o sector do entretenimento. Em virtude disso, a faturação dos vinte clubes mais ricos do mundo, por exemplo, em sede de direitos de transmissão televisiva, bilhética e comercial, ascende aos 9.300 milhões de euros. Esta receita tem como principal destino o investimento em jogadores de futebol, tanto na sua contratação como nos seus ordenados. Em 2019 foram realizadas 18.047 transferências de jogadores de futebol gastando-se no total cerca de 6.190 milhões de euros.

Considerando a janela temporal apertada em que as transferências ocorrem e a complexidade dos negócios de hoje em dia, emergiu a figura dos intermediários como mandatados de confiança dos presidentes com o objetivo de fecharem determinados negócios em troca de success fees absolutamente discricionários. Considerando que os jogadores são ativos intangíveis de uma sociedade desportiva cujo valor é estimado prospectivamente com base naquilo que poderá aportar no futuro, e não perspectivamente com base naquilo que rendeu no passado, os valores faturados pelos intermediários têm tanto de especulativos como de aceitáveis pelo comum adepto.

De repente, contratar jogadores a granel por um preço muito acima do razoável tornou-se uma excelente forma de retirar dinheiro dos clubes para bolsos de intermediários privados. E se estes intermediários tiverem relações de confiança privilegiada com os presidentes dos clubes e faturarem as suas comissões em off-shores, torna-se muito fácil fazer chegar parte deste montante de volta para o mesmo presidente responsável por passar esse mesmo mandato. Basta reparar que são muitos os clubes têm um mandatado preferido.

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Toda a gente fica feliz: o jogador, porque vai para um clube melhor; o clube vendedor, porque vendeu acima do valor estimado; e o presidente comprador e o intermediário, porque fizeram uma receita pessoal simpática. Esta felicidade é financiada pelo clube comprador que liberta uma verba avultada e fica com um jogador de valor dúbio. Mas quem é o clube?

Os clubes são associações compostas por sócios cujos estatutos são constrangidos pelo código civil. Os seus presidentes de direção são não remunerados e sujeitos a grande pressão e exposição pública, pelo que não se entende a motivação para o exercício do cargo (amor ao clube não põe comida na mesa). Os órgãos sociais são eleitos por sufrágio, sendo que tipicamente os votantes com mais tempo de sócio têm mais votos. Neste modelo de governança observa-se que os associados são altamente permeáveis à politiquice do associativismo, ao populismo e à demagogia, trocando votos por promessas vãs como contratações de jogadores, títulos europeus ou simplesmente convites para o camarote. Enquanto isso, não é sufragada nem questionada a competência, currículo e formação do candidato, nem o seu business plan.

O segredo de uma presidência duradoura está em controlar a opinião pública dos associados, recorrendo-se frequentemente a dois mecanismos: a atribuição de cargos institucionais a alguns pesos pesados da máquina associativa, e o condicionamento da agenda mediática nos órgãos de comunicação sociais, por exemplo, através da tradicional cartilha. Enquanto isto, são emitidos mandatos em catadupa e chegam jogadores absolutamente desconhecidos do futebol internacional cujo projeto disfarçado passa por emprestar a um qualquer clube pequeno que viva na sua dependência político-financeira, e vender asap sem nunca este ter vestido a camisola do clube, para que se produza a necessidade de emitir novo mandato a um (qualquer?) intermediário.