A Associação Nacional dos Profissionais Liberais (ANPL) foi simbolicamente apresentada publicamente por altura do 1º de maio deste ano, em plena presidência portuguesa do Conselho da União Europeia. Simbolicamente, pois raramente vemos os profissionais liberais descritos ou considerados como trabalhadores com representação e defesa plena no espaço socioprofissional.

O conceito de profissional liberal, no espaço europeu, difere de país para país. Portugal não tem uma fórmula comummente aceite e reconhecida pelo próprio Estado, o que é preocupante. Na ANPL adotamos como definição, “aquele que exerce uma atividade, por ser detentor de formação e qualificações específicas, responsabilidade profissional, autonomia técnica e independência, fundamentada numa ética e deontologia próprias, no superior interesse dos consumidores e da comunidade em geral”.

Uma definição adequadamente abrangente para acomodar no seu seio não apenas as clássicas profissões liberais, mas também um conjunto de outros profissionais que têm vindo a afirmar a relevância das suas atividades na economia em diversas setores e áreas. Profissionais como encarregados de proteção de dados, consultores empresariais, programadores informáticos, instrutores de atividades físicas, chefes de cozinha, designers, para além de outras mais tradicionais, tais como jornalistas, professores, escritores, galeristas, tradutores especializados, antiquários, de entre outros que, apesar de há longa data exercerem atividades enquadradas nas profissões liberais, não são reconhecidos enquanto tal; e ainda outros grupos profissionais, como paramédicos, técnicos de diagnóstico e terapêutica e das terapias não convencionais, que também se encaixam neste vasto e diversificado campo das profissões liberais.

Profissões que partilham, todas elas, o facto de exigirem qualificações específicas reconhecidas, autonomia e independência em diversos graus, ética profissional inerente à prestação de serviços no âmbito das respetivas atividades e o facto de se constituir interesse do consumidor a preservação destas vertentes.

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Tomemos como exemplo as ordens profissionais, que por delegação do Estado português regulam importantes aspetos relativos a cada uma das 18 profissões nelas representadas. O seu papel é assim fundamental.

Deparam-se, no entanto, com limitações impostas por legislação diversa, nacional e europeia, no que respeita à abordagem de importantes vertentes que afetam os seus profissionais. Por exemplo, a Lei nº 2/ 2013, da Assembleia da República, estabelece claramente que as ordens, associações públicas profissionais estão impedidas de exercer ou de participar em atividades de natureza sindical ou que se relacionem com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros.

Ora, uma parte importante dos desafios e problemas que afetam os profissionais liberais estão, precisamente, relacionados com aspetos de natureza laboral e com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros, por exemplo, modalidades de contratação, questões salariais ou de honorários.

Se, no que respeita à atividade sindical, não falta quem se assuma nesta defesa, em particular no setor estatal e nos trabalhadores por conta de outrem, no que respeita aos profissionais liberais, exercendo como independentes, tal não acontece com a consistência necessária.

Por um lado, porque na essência, um sindicato não incorpora o conceito de profissão liberal e, por outro lado, na ausência de sindicatos, pelas já descritas disposições legais que limitam as ordens profissionais na defesa das atividades económicas dos seus membros.

A ANPL, consciente dessa realidade, apareceu para ajudar a dar voz ao que é partilhado por todas estas atividades muito diferentes entre si, todas elas detentoras de qualificações específicas, de responsabilidade e de enorme relevância económica.

Aparecemos para acrescentar valor, para defender e promover as profissões liberais na fiscalidade, na proteção social, no subemprego, desemprego, reforma, formação contínua, paternidade, só para dar alguns exemplos.

Aparecemos, ainda, para que estes profissionais sejam convenientemente ouvidos, reconhecidos, remunerados e valorizados, pois só desta forma evitaremos a saída de muitos dos mais qualificados do país, a proletarização destas profissões e a afetação da qualidade na prestação dos respetivos serviços.

Segundo o Comité Económico e Social Europeu, um em cada seis trabalhadores por conta própria exerce a sua atividade profissional num setor relacionado com as profissões liberais e a tendência é para aumentar. O mesmo se aplica a um em cada seis trabalhadores por conta de outrem. Em Portugal, falamos certamente de mais de 600 mil pessoas.

É cada vez mais amplo o consenso à volta de uma ideia: é urgente a (re)valorização do trabalho na nossa sociedade. E em particular o dos profissionais liberais, especificamente fustigados; pelo papel liderante que as profissões liberais assumem, enquanto motores de inovação, de qualificação do país e desenvolvimento da nossa economia.

Queremos Ser, e não Parecer, profissionais liberais, assumindo os riscos do autoemprego, do empreendedorismo, da incerteza. Mas, para tal, temos que ser convenientemente levados em conta, nomeadamente através da construção de um estatuto legal que enquadre a especificidade desta forma de trabalho.

Portugal perdeu uma oportunidade na Presidência do Conselho, na Cimeira Social do Porto, de ter introduzido nos 20 Princípios do Plano de Ação aprovados uma referência específica aos profissionais liberais e independentes.

Como estamos atualmente, os riscos estão todos do nosso lado. E quem continuará a pagar é o país que, recordemos, já não cresce de forma consistente há duas décadas…